quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Fyodor Dostoyevsky «O Jogador»


Fyodor Dostoyevsky, autor de Os Irmãos Karamazov, Crime e Castigo e Os Demónios – três obras essenciais da literatura russa – foi um autor que sempre se soube exprimir de forma clara e dramática as angústias, emoções, fatalismos, conflitos com a própria religião e, claro, o existencialismo nos seus registos. O Jogador é autobiográfico, visto que incide sobre um dos capítulos negros da sua vida: o vício do jogo.

Apaixonado por Paulina Suslova, Dostoyevsky numa das suas viagens a Paris perdeu tudo o que tinha, incluindo um anel muito valioso de Suslava na roleta. Visivelmente agastado com toda esta situação e com o seu vício, escreve no espaço de um mês este romance. Centrado na classe burguesa russa que vivia de forma faustosa na França e Alemanha, este livro passa-se em Roletemburgo e incide numa família em Aleksei Ivánovitch, um jovem preceptor apaixonado por Polina, a filha do general para quem Ivánovitch trabalha; o general, por sua vez, é apaixonado por Mlle. Blanche, uma jovem francesa que mantém – tal como Polina – uma relação afectiva por Des Grieux, um francês supostamente da alta nobreza. Miste Astley, o inglês com elevada fortuna monetária e altamente respeitado nos círculos europeus e a avó do general fecham o elenco destas personagens que se encontram todas hospedadas num hotel localizado perto do casino.

Todos se preocupam com a saúda da avó. Em demasia, aliás: esperam todos pela morte de uma das senhoras mais ricas de toda a Rússia, até que esta decide surpreendê-los e aparecer em pessoa ao hotel. Assim que a avó começa a jogar na roleta, não mais quer parar e, com ao auxílio de Ivánovitch, vai somando fortuna atrás de fortuna até ao momento em que perde tudo e é obrigada a regressar a casa. Assim que os herdeiros e falsos amantes sabem do desastre da avó, tudo se transfigura, todos mudam de personalidade. Sabendo da habilidade que Ivánovitch tem para jogar, empurram-no para as salas do vício até que todos perdem e deixam Roletemburgo. Quem mais perde é, naturalemente o jovem preceptor; não só perde toda a riqueza e vai para a prisão, como perde o amor de Polina.
  
Elaborado através de uma escrita rápida e com bastantes pontos de exclamação para enfatizar a adrenalina e a tragédia, Dostoyevsky consegue assim imprimir uma narrativa acelerada onde as personagens vivem de forma impulsiva, totalmente obcecadas com os números e cores que podem sair na roleta. Tal como ele próprio havia sentido quando passava o tempo a jogar a vida nos jogos de sorte e azar, Ivánovitch vê-se tragicamente absorvido nas mesas dos casinos, perdendo o amor e respeito das outras frias e materialistas personagens. O romance, tal como o jogo, é muito viciante.   

sábado, 21 de janeiro de 2012

Lev Tolstoy «A Sonata de Kreutzer»


«Eu, porém, vos digo que qualquer que atentar numa mulher, para a cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela.»
(Mateus, 5:28)

Depois de uma vida de excessos na juventude e de uma vida extremamente confortável adequada ao seu título nobre de Conde, Lev Tolstoy envergou pelo caminho da espiritualidade cristã e trocou a cidade pela vida rural, a vida do homem puro em contacto com a natureza. A Sonata de Kreutzer - uma das novelas mais conceituadas da literatura - é um importante relato dos pensamentos da corrente tolstoyana sobre a sociedade russa e os seus incorrectos e imorais modos de vida, segundo o autor.

Numa viagem de comboio, cruzam-se o narrador e um homem vivido que conta a história da sua vida a um narrador que escuta e pouco fala. Este homem experiente, Pózdnichev, que assassinou a sua esposa devido a traição matrimonial, relembra todos os seus excessos devassos que cometeu enquanto jovem, tal como a ida a casas de prostitutas e a procura da esposa certa. Escolheu casar com uma mulher pobre e bela que, segundo ele, lhe proporcionava a paz e a moral necessária para um homem da alta classe social; no entanto, cedo se apercebeu que as mulheres que tão bem se vestem, usam o corpo e a arte da sedução para levar o homem a cometer o pecado carnal.

Extremamente triste e a espaços arrependido do crime que cometeu, Pózdnichev acaba por se tornar na voz do próprio Tolstoy, enfrentando os horrores de uma vida impura que levou, até à altura em que decidiu mudar e adoptar o cristianismo extremo, na minha opinião; não poucas são as incursões sobre o celibato como forma de tornar o Homem num ser limpo, num ser em comunhão com Deus. A escrita que Tolstoy utiliza neste livro inspirado na famosa sonata de Beethoven, é absolutamente forte e disciplinada, realista e crua, fazendo das palavras fortes argumentos de persuasão na absorção da concentração de quem a lê; é, acima de tudo, honesta e extremamente bem elaborada, como é apanágio da obra tolstoyana.

Um homem livre do sexo e das relações “suínas” que contrai com as mulheres é a base deste relato de uma Rússia decadente em finais do séx. XIX. Não pondo em causa a ideologia de Tolstoy e a forma corajosa como este lutou por um mundo melhor e mais correcto do ponto de vista da moral, não posso no entanto deixar de contrariar o autor e de referir que o amor e as relações entre as pessoas são obviamente importantes para realização pessoal e social de cada um de nós.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

John Wray «The Right Hand of Sleep»


Este é um daqueles romances que tem mais que argumentos para figurar na lista dos grandes clássicos da Literatura, ao lado de Kafka, Thomas Mann, Tolstoy e outros que ainda hoje são lidos e, obviamente, referenciados. Nascido nos Estados Unidos da América - Washington D.C. em 1971 -, John Wray possui também nacionalidade austríaca, tendo-se estrado com este romance assinalável há cerca de onze anos, ao qual se seguiram Canaan’s Tongue e Lowboy.

Situado nas convulsões que envolveram a Áustria na Primeira e Segunda Guerra Mundial, este registo retrata a vida de uma Áustria rural e o cair da classe burguesa e nobre, conquistada pelo Reich alemão. Oskar Voxlauer, o protagonista, oriundo da grande burguesia austríaca, é enviado em 1917 para a frente da batalhada de Isonzo, que opôs o império austro-húngaro contra os italianos, acabando por desertar e ir viver para uma Ucrânia dominada pela revolução bolchevique. Aqui, e já depois de ter passado um mau bocado, enfrenta represália social, na medida em que é visto como um fascista imperialista austríaco. Apesar disso, Voxlauer apaixona-se por uma jovem burguesa ucraniana e passam ambos a viver da plantação de couves e beterrabas, no conforto de um lar robusto e que relembra à personagem principal o bem-estar que tinha na vila de Niessen, onde o pai era uma grande compositor de peças clássicas e a mãe uma das damas mais respeitadas do sul austríaco.

No entanto, a revolução soviética atacou a burguesia, desalojando todas as famílias que possuíam pouca ou muita fortuna, enviando-as para campos de concentração onde foram escravizados e explorados até ao tutano, restando-lhes apenas o acreditar na sobrevivência; neste período, a amada de Voxlauer acaba por sucumbir aos abusos comunistas, deixando-o destroçado e motivando-o a regressar ao seu país natal. Aqui, vinte anos passados, ele não é bem visto e a sua família caiu na ruína: o pai suicidara-se com um tiro de caçadeira na cabeça e a mãe tratava da lide doméstica. Resta-lhe o trabalho duro da caça e supervisão/criação animal que o amigo judeu Ryslavy lhe oferece. Numa dessas caças, Voxlauer acaba por disparar sobre si mesmo, ferindo-se gravemente, contando com o auxílio e guarida de Else, uma bonita senhora que lhe ressuscita a vontade de amar. O amor de ambos será determinante para que as suas forças não lhes faltem, pois a Áustria é neste período anexada ao Terceiro Reich.

Dono de uma escrita enraizada na poesia, Wray narra a acção de forma sumptuosa e sóbria, adjectivando com uma calma e beleza poderosas a sociedade do início/meados do séc. XX e a austeridade e queda da Áustria, outrora potência mundial e líder nas várias artes. A descrição dos rios, lagos, bosques e florestas – enfim, de toda a natureza - é das mais belas que se podem encontrar num romance de um jovem escritor neste novo século. O sofrimento humano que Voxlauer e os que o rodeiam enfrentam, a pobreza sócio-cultural e também a queda dos valores humanistas descrita aqui relembra, de facto, obras de grandes autores clássicos. Extremamente recomendado.

Nota: esta crítica foi baseada na leitura da obra no seu idioma original, o inglês.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Herta Müller «Tudo o Que Eu Tenho Trago Comigo»


Algures entre o desespero e a fome, este romance transborda humildade por todos os seus poros, mesmo quando parece já não haver fuga à tragédia. Herta Müller, galardoada em 2009 com o Nobel da Literatura, prossegue com a sua crítica ao regime comunista e a sua invasão à Roménia e perseguição aos alemães nascidos naquele país, findada a Segunda Guerra Mundial em 1945.

Leo Auberg, de 17 anos, acaba deportado para os campos de concentração da União Soviética e, através desta personagem, a autora reúne pedacinhos da vida do seu amigo e poeta Oskar Pastior, recriando o horror do desprezo pelas vidas de inocentes que pereceram pelas mãos soviéticas. Sem qualquer aviso e sem tempo para se despedirem das famílias, milhares de romeno-alemães foram laborar nos campos de concentração da extrema-esquerda radical, enfrentando condições climatéricas arrepiantes e condições de vida que os judeus de Auschwitz haviam experienciado, lamentavelmente. A prosa de Müller é bastante poética, honesta e crua. Demasiado crua, por vezes.

As personagens que fazem parte desta obra fazem jus ao título da mesma. O pouco ou nada que têm está à vista e, nos seus corações, encontram forças para continuarem a viver, a regozijarem-se sempre que há uma batata crua para comerem, a valorizarem aquilo que a nós, os que vivemos numa sociedade aparentemente livre e materialista, nos causa indiferença. Não só é exposta a miséria e a brutalidade do pós-guerra, como também é servida uma lição de humildade e gratidão pelas pequenas coisas que nos rodeiam. Estar vivo e ter uma cama onde dormir, comparado com o realismo com que a autora descreve a narrativa, são luxos.

Tudo o Que Eu Tenho Trago Comigo
é um romance que não deixará, de forma alguma, indiferentes os seus leitores. Praticamente tudo nele tem a capacidade de comover e sensibilizar, e, mesmo apesar desta situação, isso é suficiente para o leitor desfrute e encontre também alegria neste terno testemunho.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

*shels «Plains of the Purple Buffalo»


Aquilo que começou como algo puro e de grande valor, rapidamente se tornou em clichés e cópias de cópias. O movimento post-rock, que nos últimos vinte anos teve como máximos representantes Sigur Rós, Mogwai ou Grails, é algo que por muito que custe admitir, se tornou numa moda: foto promocional - quando incluída – abstracta, na medida em que os membros têm que parecer distraídos a olhar para o vazio; começar o tema de forma muito calma, inserir dois ou três riffs potentes, fazer crescer a intensidade, algumas palavras desconexas, e repetir até atingir, em média, os dez minutos. Aí está um álbum de post-rock.

Felizmente, ao longo dos últimos anos o género foi-se reinventando, muito graças ao esforço dos Swans, Neurosis, Pelican, Russian Circles, The Sea and Cake ou Tortoise, e o mercado sofreu algumas interrupções na estagnação. A juntar a este lote restrito temos os *shels, grupo norte-americano/britânico resultante da fusão de membros de Mahumodo, Devil Sold His Soul, Eden Maine e Fireappple Red, que se estreou em 2004 com o EP Wingfortheirsmiles e o, já icónico longa-duração, Sea of the Dying Dhow três anos mais tarde. No ano passado presentearam-nos com um dos melhores de 2011 em qualquer categoria e, na minha opinião, o trabalho mais forte do grupo até à data. A estrutura dos temas é variada e assenta bastante nos instrumentos de sopro, que conferem uma aura diferente ao já de si rico e atmosférico som, combinado com algumas letras positivas e bonitas. Apesar de algumas vocalizações mais estridentes que se fazem ouvir logo no primeiro tema, Journey to the Plains, há uma clara atenção direccionada à melodia instrumental e vocal, totalmente patente, por exemplo nas duas partes do tema homónimo e nomeadamente no tema que mais impressiona, Butterflies on Luci’s Way.

A riqueza instrumental e a diversificação da mesma presente no disco, tornam-no no melhor disco deste conjunto, fugindo sempre ao marasmo que acontece ao fim de dois, três minutos no actual panorama musical; nenhum dos temas incluídos neste trabalho poderia ter sido excluído, tal é a forma coesa – brilhante, mesmo – como  Plains of the Purple Buffalo soa, não havendo espaço para “fillers” ou plágios. Tudo aqui é genuíno, arrogantemente original e terno, capaz de satisfazer o ouvido e a mente e crescer cada vez que o disco começa a girar.

9/10

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Michael J. Fox «Lucky Man: A Memoir»


Michael J. Fox publicou, em 2002, este livro de memórias que é bem mais que uma tradicional descrição linear dos seus dias de ouro no cinema e na TV, ao contrário daquilo que encontramos quase sempre numa “memoir”. Este é um testemunho real e genuinamente divertido e algo comovente do principal embaixador da luta contra a doença de Parkinson.
 
O actor canadiano, que em 1982 atendeu uma chamada da NBC numa cabine de telefone pública, (à falta de telefone no seu micro-apartamento nos arredores de Los Angeles) que mudaria toda a sua vida e o transformaria no Alex P. Keaton que entreteve as famílias norte-americanas na década de 80, conta a sua vida desde os dias em que nasceu e da infância no sul do Canadá até aos seus dias em Nova Iorque, com informação detalhada sobre as dificuldades que enfrentou ao abandonar o liceu em busca de uma grande carreira em Hollywood até ao dia em que a doença degenerativa neurológica lhe bateu à porta. Em 1990, Fox acordou e reparou que a sua mão não parava de mexer, como se tivesse vida própria, e aquilo que ele considerava uma consequência de mais uma ressaca de uma noite de diversão, tornou-se em algo que o viria a acompanhar até aos dias de hoje. Diagnosticado com uma doença que afecta na sua maioria os idosos, o canadiano/americano viu a sua vida mudar por completo quando este tinha apenas 30 anos e estava no auge de popularidade; ele era Marty McFly, o miúdo do futuro. Depois de vários anos a esconder a doença dos próprios familiares, em 1998 Fox assumiu publicamente a enfermidade e criou uma fundação de apoio aos pacientes de Parkinson.
 
Mas porque é que Michael J. Fox escolheu Lucky Man para este livro? A resposta parece ser simples: apesar da infelicidade e dos graves problemas que a doença de Parkinson lhe provoca, Fox tem uma família que sempre o apoiou e, mesmo não podendo representar mais (retirou-se em 2000 com a série Cidade Louca), ainda tem muito para oferecer ao mundo. A obra é igualmente útil para uma compreensão da doença de Parkinson, detalhada com aquele toque de humor e esperança que o pequeno grande actor nos habituou.


Nota: esta crítica foi baseada na leitura da obra no seu idioma original, o inglês.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

«Drive»


“Melhor filme de 2011”. É desta forma que me apeteceu começar a escrever sobre um dos melhores filmes do final do ano que findou. No entanto, “melhor” é tão cliché e tão relativo que vou mesmo reformular o texto: Drive foi o melhor filme de 2011 porque foi aquele que, entre os que vi – e nem foi um ano mau para o Cinema -, foi o que mais despertou a minha atenção e me encheu as medidas. Não, também não me importa muito se o filme ou os seus actores ganham ou deixam de ganhar os Óscares. É-me indiferente.

Adaptado a partir do romance de James Sallis, Drive conta a estória de um homem sem nome que ganha a vida como duplo no cinema em cenas que envolvem automóveis e que, paralelamente, é um condutor de aluguer; passo a explicar: este condutor conhece toda e qualquer rua de Los Angeles como a palma da sua mão e quem o quiser contratar para fazer um assalto e precisar de alguém para fugir à polícia, dispõe dos serviços deste piloto rápido. No entanto, a partir do momento em que os assaltantes saem do automóvel para fazer o “trabalho”, passam a ter exactamente cinco minutos para regressarem ao bólide, caso contrário ficam por sua conta. É desta forma que decorre a primeira cena do filme, com um grandioso despiste às autoridades e sem qualquer rasto para trás. Estes “trabalhos” são feitos, regra geral, durante a noite.

No prédio deste condutor vive uma bonita jovem Irene, mãe de um filho, com a qual o condutor cria laços afectivos, especialmente com o pequeno Benicio. O marido de Irene é um homem que cumpre a sua pena na prisão e regressa com problemas por resolver com um poderoso homem de negócios que o ameaça e à sua família. Para que esta dívida seja definitivamente saldada, o marido de Irene contrata o condutor para assaltar uma loja de penhores, mas tudo não passava duma cilada e Standard acaba baleado. O condutor é um homem que não parece apresentar qualquer tipo de emoções ou laços afectivos, mas (mais) uma vez ameaçada Irene e Benicio e claramente traído, Ryan Gosling parte para uma vingança sangrenta e as torturas e as execuções são brutalmente explícitas.

Longe, mas muito longe mesmo de ser um filme de violência gratuita ou sangue a jorrar por todos os lados, Drive prima pelo desempenho sóbrio e brilhante de Ryan Gosling, pelos fantásticos ângulos de câmara e tensão constante na curta narrativa que compõe a película. É algo densa a acção em que todo o filme decorre, nomeadamente nas cenas nocturnas em que Ryan Gosling percorre as ruas da cidade dos anjos e na cena em que tem que escapar da loja de penhores numa das perseguições mais realistas de que há memória no cinema de Hollywood. Durante o dia, o palito na boca de Gosling dá a falsa sensação de calma, mas e relembro-o de que o condutor é um homem com sangue frio e treinador para matar; quando menos se espera, algo inesperado surge. Por detrás do sorriso silencioso de Gosling, há um ser que não perdoa traição e ameaças por aqueles os quais nem ele mesmo contaria criar laços de amizade e amor. Falando em amor, e para reiterar que este é um filme que se afasta do típico “hitman” hábil e sedutor, a cena de maior intimidade resume-se a um beijo num elevador - o que se segue a seguir ao beijo é bastante semelhante à cena mais explícita do francês Irreversível.

Lacónico e homem de pouquíssimas palavras, este é o melhor desempenho de Ryan Gosling até à data e um dos motivos pelos quais dá gosto ir ao cinema, mesmo que isso implique sentar-se ao lado de espectadores que não mastigam pipocas, mas que encontram nas mesmas um pasto celestial para um bom ruminar. A banda sonora (elemento muito das vezes relegado para segundo ou terceiro plano) também contribui para isso e, não sendo eu o maior adepto da electro-pop/ambient, Cliff Martinez elaborou um álbum de onde ressalvo o tema A Real Hero que se escuta num passeio do condutor com Irene e Benicio.

Aparentemente previsível e com um título que sugere algo de horrífico como 60 Segundos e um Nicholas Cage no papel principal, a verdade é que Drive, apesar de não ser totalmente original, é um daqueles filmes com um ambiente de cortar à faca a quase todo o instante, com algumas influências de Taxi Driver e tiques do mundo de Tarantino; no final, a vontade de rever os belos planos e o desempenho de Gosling é muita. Filmes envolventes como este não aparecem todos os meses. Nem todos os anos.

Argumento: Hossein Amini, James Sallis 
Realização: Nicolas Winding Refn

domingo, 1 de janeiro de 2012

«Amor, Estúpido e Louco»


Um elenco de luxo de jovens e maduros actores fizeram de Amor, Estúpido e Louco uma das melhores comédias deste ano que findou. Julianne Moore, Steve Carell, Ryan Gosling, Emma Stone, Analeigh Tipton, Jonah Bobo, Marisa Tomei e Kevin Bacon fazem parte de um mundo de personagens que estão todas interligadas umas com as outras, mesmo não o sabendo… inicialmente.

O casal Weaver separa-se fruto do caso de Emily (Moore) com um colega de trabalho (Bacon), a baby-sitter Jessica (Tipton) está apaixonada por Cal (Carell), o filho Robbie (Jonah) está profundamente apaixonado por Jessica, Hannah (Stone) vive numa relação superficial até conhecer Jacob (Gosling), o misterioso engatatão - o mesmo que Cal vai conhecer e ver a sua vida amorosa sofrer uma volta de 360 graus, uma vez que fica sobre “protecção” e “aconselhamento” do jovem charmoso. Novas roupas, nova forma de estar fazem com que o quarentão Cal conheça e leve para a cama nove mulheres (ele que só tinha feito sexo com a sua esposa…), sendo que uma delas é Kate (Tomei), a professora do seu filho. No entanto, e por mais mulheres atraentes e jovens que Cal vai conhecendo, o seu amor pela esposa prevalece e fá-lo-á tentar reatar a relação com a ainda sua esposa, esquecendo a traição desta. Emily, por sua vez, ao ver um Cal “renovado” e com muitas mulheres na sua vida, reacende a velha chama e dispõe-se a conceder uma nova vida ao casamento. Jacob acaba por se apaixonar por Hannah e a vida de “playboy” fica para trás, o problema é que Cal não aprova este namoro porque o mentor transformou precisamente o Sr. Weaver num… Jacob.

Amor, Estúpido e Louco mostra, entre outros aspectos, um Ryan Gosling diferente do habitual e dos papéis brutais e directos que costuma representar (Drive, Stay - Entre a Vida e a Morte). Gosling – um dos actores do momento, realce-se – é o oposto do bon vivant sedutor e superficial que inicialmente representa e tudo muda quando conhece Hannah (mais um bom desempenho de Emma Stone), a rapariga que o quer “montar” (literalmente) e ser mais uma das centenas de raparigas bonitas que cai na cama de Jacob… no entanto, o plano acaba por correr de forma totalmente diferente e o jovem acaba por se abrir e mostrar como ele realmente é por dentro daquelas roupas, casa e carros extravagantes. Não podia deixar de mencionar a lição de amor que o pequeno Jonah dá a todos aqueles que lutam pelas suas almas gémeas, mas que acabam por desistir. Pai, mãe e filho descobrem que vale a pena lutar por quem verdadeiramente se deseja ardentemente.

Não é um super filme, mas é sem sombra de dúvidas um filme de muito boa qualidade e diferente das comédias românticas chatas e previsíveis que podemos ver nos cinemas. Por mais que Steve Carell não consiga ser um actor estupendamente cómico (Virgem aos 40, Get Smart - Olho Vivo), representa aqui algo que o aproxima de The Office e O Amor e a Vida Real


Título original: Crazy, Stupid, Love.
Argumento: Glenn Ficarra, John Requa
Realização: Dan Fogelman