quinta-feira, 9 de maio de 2013

Irvine Welsh «Os Segredos de Alcova dos Mestres Cozinheiros»


Irvine Welsh é um dos poucos autores contemporâneos nos quais investir 20 euros num dos seus romances é um investimento seguro. Está a ver aquelas afirmações magnificamente convincentes, do género «o melhor autor dos últimos tempos», ou «ninguém escreve como este autor»? Bla, bla, bla, «o melhor da sua geração»? Bom, estes elogios não aparecem na contracapa da obra, mas li algures que Welsh é «Celine dos tempos modernos». Depois de ter lido o francês, a afirmação não se torna de todo descabida, de facto.

Os Segredos de Alcova dos Mestres Cozinheiros apresenta-se diferente de tudo aquilo que o escritor nascido em Leith já nos presenteou. A droga e o álcool estão obviamente presentes em boas doses, mas os confrontos entre as claques de futebol dos Hearts e do Hibbs e a decadência social - que estavam tão presentes nos outros romances – suavizaram-se. Para além disto, Welsh criou aqui e em Crime (publicado dois anos depois desta obra) as personagens mais compassivas e conscientes que já vi em toda a sua obra - o novo Skagboys (2012) está aqui em casa para leitura, mas em regime de lista de espera. Quer dizer, compassivas e conscientes como quem diz, não é: há muito ódio destilado e muita fala de respeito pela vida alheia, mas comparado com Trainspotting ou Lixo, Crime e estes Segredos são um docinho para crianças.

A premissa do livro é hilariante: Danny Skinner, um jovem alcoólico de 23 anos quer descobrir quem é o seu pai e suspeita que poderá ser Alain de Fretais, um chefe de cozinha famoso que escreve livros de culinária. A tarefa não se afigura simples, pois a sua mãe não fala sobre o assunto, dificultando assim a vida ao jovem técnico de saúde ambiental da Câmara Municipal de Leith. A outra personagem principal é Kibby, um jovem virgem coleccionador de miniaturas de comboios que vive com uma mãe ultra-cristã que o alerta para os perigos da masturbação e desrespeito pela Bíblia. Skinner e Danny acabam por se conhecer no trabalho, mas o primeiro não morre de amores pelo segundo e roga-lhe uma maldição hilariante: tudo o que Skinner fizer de mal, atinge apenas Kibby.

Portanto, quem paga a factura das bebedeiras é Kibby; quem acorda a andar de lado e a sangrar pelo ânus depois de ter sido violado é Kibby, pois claro. Não esperava este tipo de enredo, especialmente este aspecto sobrenatural no romance, mas acaba por resultar, por acaso. Como referido inicialmente, a obra contém alguma compaixão e muita seriedade: o que pode Skinner fazer quando se apercebe que o pobre Kibby está a ficar sem fígado devido aos litros de álcool que ingere todos os dias? O que fazer quando se pode comer, beber, e snifar tudo o que pode imaginar, sem qualquer tipo de perigo físico? 

Os Segredos de Alcova dos Mestres Cozinheiros não é tão forte como os supra-sumo Porno e Trainspotting, mas é na mesma divertido e muito, muito viciante, de modo que o recomendo vivamente a todos os amantes de boa literatura.

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