As primeiras páginas de O Sonho do Celta sugerem de imediato que
o leitor está perante um romance histórico. Nesta obra, o peruano Mario Vargas
Llosa levou a cabo uma pesquisa exaustiva e minuciosa sobre a personagem de
Roger Casement, irlandês que serviu o Império Britânico acabando, mais tarde,
por reivindicar a independência e autonomia da Irlanda.
Enquanto diplomata do Império
Britânico, Casement testemunhou in loco as várias atrocidades que os grandes
impérios europeus cometeram contra os povos africanos e americanos; com o pretexto
de modernizar e civilizar estes povos ditos indígenas, a História mostrou que
vários países da Europa – sobretudo Espanha, Reino Unido e Portugal – se serviram
das riquezas e mão-de-obra locais para enriquecerem facilmente. Roger Casement,
nas palavras de Llosa, viajou um pouco por todos os continentes, tendo-se
estabelecido vários anos no Congo e na Amazónia Peruana.
Em ambos enfrentou o abuso de
poder, crimes, violações e várias outras infracções desumanas: «Dyall matou os
dois primeiros a tiro, mas o chefe ordenou que, aos dois seguintes, lhes
esmagasse primeiro os testículos com uma pedra de moer mandioca e acabasse com
eles à bordoada. Ao último, mandou que o estrangulasse com as próprias mãos»
(págs. 226, 227). O período de Casement no Congo foi assustador e desgastante
em termos físico-psicológicos, agravados mais tarde com a ida do irlandês para
o Peru, onde teve de lutar contra a Peruvian Amazon Company, uma empresa
exploradora de borracha.
Progressivamente, e já depois de
ter sido promovido a “sir” pelo Império Britânico, Roger Casement estabeleceu
um termo de comparação entre a Irlanda, o Congo e o Peru e concluiu que não
podia servir mais os interesses britânicos, pois a Irlanda estava a ser
colonizada precisamente pelos britânicos. Procurou uma aliança entre os
rebeldes, nacionalistas e radicais irlandeses com a Alemanha, mas o Reino Unido
viria a condenar o outrora “sir” por traição.
Mario Vargas Llosa está de
parabéns, pois a força e detalhe da sua escrita abrasiva, chocante no retrato
das mortes atrozes dos indígenas, aliada à emotividade transmitida pela figura
de Roger Casament fazem de O Sonho do
Celta uma obra inesquecível, de uma leitura viciante.
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