Onde começa a maturidade? Quando acaba a imaturidade? Em que deve incidir a forma? E a análise? Quando é que nos tornamos verdadeiramente adultos? Estas e outras questões são alvo de chacota no recém-publicado romance Ferdydurke, da autoria de Witold Gombrowicz, escritor polaco que se debruçou sobre o absurdismo e niilismo – entre outras temáticas – na sua obra literária.
Publicado originalmente em 1937 na Polónia Pós-guerra sob as ameaças nazi e soviética, esta obra desafia a sociedade polaca ao nível da literatura, arte, filosofia e política. Kowalski, o protagonista do romance, tem trinta anos e acorda um dia para se tornar num miúdo de dezassete para voltar à escola e ao campo. Tal como noutros escritores que publicaram grandes romances no início do séc. XX, esta obra parece linear, quando na realidade é o oposto dessa mesma situação graças à quantidade de acontecimentos que se sucedem sem aparente razão ou lógica, obrigando o leitor a reflectir profundamente sobre as situações que de real pouco ou nada têm; situações que nos transportam para o mundo do sonho e de uma realidade alternativa, onde o riso e a paródia imperam sobre o quotidiano.
Gombrowicz exprime-se através do irreal para ridicularizar o real. Depois de ir novamente para a escola pela mão de um professor moderno e recuperar a adolescência, Kowalski é enviado para junto da família dos Novos, onde conhece uma revolucionária adolescente extremamente moderna. Como se deduz pelo apelido desta família e pelos professores que leccionam na escola e as situações que decorrem na sala de aula e no recreio – de onde ressalvo uma brutal luta de caretas entre os defensores das donzelas, donzéis e os bons costumes e os “renegados”, os que defendem o uso do palavrão, os anti-sistema – a estupidez é levada e elevada ao máximo quando Gombrowicz identifica o alvo e trata de o estupidificar, passe-se o eufemismo. Através de uma linguagem inteligente e absurda, o autor passa a sua crítica à maturidade, à literatura polaca e, em particular, à sociedade dita vanguardista.
Ferdydurke é uma obra satírica a todos os pontos, excepto o da imaturidade, estado esse que Witold Gombrowicz explora à repetitivamente quer ao nível da linguagem, quer ao nível do comportamento. A tradução do livro é de alto nível e as notas de rodapé são essenciais para a compreensão dos trocadilhos polacos por parte do autor; No fim do romance há ainda uma entrevista conduzida por Álvaro Lapa intitulada O mundo demencial de Witold Gombrowicz ou a razão recuperada por sonhos, publicada em 1995 na revista [up]arte.
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