sábado, 4 de agosto de 2012

Louis-Ferdinand Céline «Viagem ao Fim da Noite»


Amado por uns, odiado por outros, Louis-Ferdinand Céline foi um dos grandes escritores franceses do século passado e continua a ter um lugar de destaque entre os maiores romancistas da literatura.

Amplamente elogiado por António Lobo Antunes, esta referência obrigatória para os artistas da beat generation desapareceu da lista das personagens francesas de maior importância cultural da França devido à propaganda anti-semita e suspeitas de colaboração com o governo nazi da zona de Vichy aquando da invasão da França pelos alemães. No entanto, o escritor sempre se referiu com escárnio e sarcasmo à estupidez hitleriana, apesar de manter sempre presente o seu ódio contra os judeus. Polémicas à parte, e analisando esta magnífica obra, há que ressalvar aqui dois aspectos: o egoísmo e o niilismo hilariante de Ferdinand Bardamu.

Bardamu é, antes de mais, uma espécie de sósia de Céline. Na verdade, ambos estiveram envolvidos na primeira guerra mundial, imigraram para África, passaram pelos Estados Unidos e nenhum dos dois vê a sua vida e os esforços reconhecidos pela sociedade. São dois anti-heróis, dois indivíduos que vivem no e do momento, seres egoístas profundamente negativos. Bardamu, depois de viajar pelo mundo, enverga pela carreira médica mas nunca se sente como um verdadeiro doutor; raramente é recompensado pelos seus tratamentos. Acaba por ser uma vítima da sua boa vontade – ainda que nem faça por isso, isto é, por ser simpático e generoso –, os pacientes aproveitam-se da situação para gozarem com ele e os outros médicos, esses, enfim, ridicularizam-no por ser um doutor do povo, um médico que não possui sequer um automóvel e uma boa casa.

A vida de Bardamu é sempre a descer. Quando o próprio pensa que algo de bom poderá surgir, algo de pior acontece. O ex-soldado procura então um plano para se adaptar às circunstâncias da vida: o egoísmo e o nada a perder em relação a tudo o que o rodeia, tal como o próprio Céline. Em termos de escrita, o romance caracteriza-se pela utilização de linguagem coloquial misturada com uma cultura geral erudita, frases curtas, hipérboles e um excesso de exclamações tipicamente nietzschianas, a meu ver. A torrente de palavras das personagens debita e cospe ódio puro, raiva, inquietação e um enorme sentido de humor cáustico a toda a narrativa, roçando um pouco a corrente absurdista literária.

Viagem ao Fim da Noite é um livro absolutamente surpreendente, frio, atroz, hilariante e negativo. Uma obra que perdura ainda hoje entre as mais consagradas e uma referência máxima para os modernistas.

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