Amado por uns, odiado por outros,
Louis-Ferdinand Céline foi um dos grandes escritores franceses do século
passado e continua a ter um lugar de destaque entre os maiores romancistas da
literatura.
Amplamente elogiado por António
Lobo Antunes, esta referência obrigatória para os artistas da beat generation desapareceu
da lista das personagens francesas de maior importância cultural da França devido
à propaganda anti-semita e suspeitas de colaboração com o governo nazi da zona
de Vichy aquando da invasão da França pelos alemães. No entanto, o escritor
sempre se referiu com escárnio e sarcasmo à estupidez hitleriana, apesar de
manter sempre presente o seu ódio contra os judeus. Polémicas à parte, e
analisando esta magnífica obra, há que ressalvar aqui dois aspectos: o egoísmo e
o niilismo hilariante de Ferdinand Bardamu.
Bardamu é, antes de mais, uma
espécie de sósia de Céline. Na verdade, ambos estiveram envolvidos na primeira
guerra mundial, imigraram para África, passaram pelos Estados Unidos e nenhum
dos dois vê a sua vida e os esforços reconhecidos pela sociedade. São dois
anti-heróis, dois indivíduos que vivem no e do momento, seres egoístas
profundamente negativos. Bardamu, depois de viajar pelo mundo, enverga pela
carreira médica mas nunca se sente como um verdadeiro doutor; raramente é
recompensado pelos seus tratamentos. Acaba por ser uma vítima da sua boa
vontade – ainda que nem faça por isso, isto é, por ser simpático e generoso –, os
pacientes aproveitam-se da situação para gozarem com ele e os outros médicos, esses,
enfim, ridicularizam-no por ser um doutor do povo, um médico que não possui
sequer um automóvel e uma boa casa.
A vida de Bardamu é sempre a
descer. Quando o próprio pensa que algo de bom poderá surgir, algo de pior
acontece. O ex-soldado procura então um plano para se adaptar às circunstâncias
da vida: o egoísmo e o nada a perder em relação a tudo o que o rodeia, tal como
o próprio Céline. Em termos de escrita, o romance caracteriza-se pela
utilização de linguagem coloquial misturada com uma cultura geral erudita,
frases curtas, hipérboles e um excesso de exclamações tipicamente nietzschianas,
a meu ver. A torrente de palavras das personagens debita e cospe ódio puro,
raiva, inquietação e um enorme sentido de humor cáustico a toda a narrativa,
roçando um pouco a corrente absurdista literária.
Viagem ao Fim da Noite é um livro absolutamente surpreendente,
frio, atroz, hilariante e negativo. Uma obra que perdura ainda hoje entre as
mais consagradas e uma referência máxima para os modernistas.
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