Não me recordo de alguma vez uma canção
me cativar tanto como com os últimos dois discos daquela que, para mim, é a
banda mais interessante, intensa e original da actualidade – já o é há muitos
anos. Dark Horse fez por mim o mesmo
que Aimless Arrow fez antes do
lançamento deste disco: aquela sensação horrível de querer ouvir o produto
final por inteiro e ter de esperar umas semanas até o poder fazer. No entanto,
e como diz o velho ditado, quem espera sempre alcança: All We Love We Leave Behind é o grande disco deste 2012 e o mais
extremo desde No Heroes (2006).
Os Converge são aquela banda que
se manteve fiel aos princípios éticos do hardcore punk dos anos 80. Tudo é
gravado por eles mesmos – por Kurt Ballou, o guitarrista -, a atitude é 100%
“do it yourself”, dispensam “triggers” e produções artificiais, gravam música
para eles, claro, mas sabem que os fãs vão aceitar tudo o que venha do processo
criativo… ou talvez não, não interessa, e passam o ano todo em tour, também (tal
como os Black Flag faziam. All We Love We
Leave Behind continua, como era esperado, com a habitual produção crua e
rude que caracteriza o catálogo da banda, sem qualquer tipo de espaço para
embelezamento cosmético.
Jane Doe (2001) é visto como um dos grandes discos do mathcore
técnico – salve-se a redundância – e foi uma das grandes referências do
hardcore e metal da primeira década deste milénio. Algo me diz no entanto que
este novo disco será encarado não como uma extensão de Jane Doe, mas sim como mais um pico dentro do processo criativo e
uma nova página do livro deste conjunto de Salem, Massachusetts. Nesta nova
etapa, contrariamente ao anterior disco Axe to Fall, que contou com presença de
membros de Neurosis e outras grandes bandas, não há colaboração de músicos, o
que torna possível tocar este disco ao vivo na íntegra.
O “melting pot” que Jacob Bannon,
Kurt Ballou, Nate Newman e Ben Koller têm sustentado ao largo de mais de 20
anos – formaram-se em 1990 – segue fiel à sua receita e funde diferentes géneros
e distorções instrumentais/harmonias; de facto, se observarmos com atenção a
fusão entre metal e hardcore e grupos como Rise and Fall, Amenra, Oathbreaker,
Trap Them, etc, é mais que notória a grande influência convergiana. Há aqui D-beat, Crust/Grindcore (Tender Abuse, On My Shield, Sparrow’s Fall),
punk rock puro (Vicious Muse), e uma
grande dose de originalidade: Coral Blue,
Precipice, All We Love We Leave Behind, Shame
in the Way, etc. Kurt Ballou estava em dúvida em relação a incluir Coral Blue neste disco porque receava
que o mesmo não se enquadrasse no estilo do álbum, mas a verdade é que este é o
tema mais bonito e orelhudo destes quinze temas (dezassete na versão deluxe) e,
pessoalmente, umas das canções mais fortes que escreveram nos últimos três
álbuns. Instrumentalmente, o quarteto é exímio dentro daquilo que vai criando,
com espaço aqui para devaneios técnicos com a assertividade que lhes é
reconhecida, mas a alma continua verdadeiramente punk rock sem compromissos.
As letras de Converge são outro
dos pontos fortes e motivo pelo qual devem ser sempre lidas e, mais importante,
sentidas. Não primam muito pela alegria, abordam várias situações de tristeza
que a vida nos proporciona e vários falhanços amorosos, mas a forma como Jacob
Bannon aborda todas estas questões – seja com frustração, raiva ou com
esperança – torna esta experiência única que é ouvir Converge num momento de
transcendência sentimental. Aimless Arrow,
primeiro tema e single do disco, e o tema homónimo devem ser recordados para a
posteriori como Last Light e The Broken Vow são hoje.
Uma vénia a estes senhores, por
favor.
9.5/10
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