As barreiras
que separam o rock do metal estão progressivamente a ceder, e isso é algo que
deve ser enaltecido. Há uns bons anos seria impensável imaginar uma ligação
entre o indie rock e o metal, especialmente o metal de carácter mais extremo;
mas como a sociedade e a própria cultura evoluem, os preconceitos caem e o
próprio Thurston Moore, dos Sonic Youth, se envolveu recenetemente com
Twilight, um projecto que reúne músicos de Nachtmystium, Krieg e Leviathan.
Da decadência e
ódio dos Peste Noire até à luz e energia positiva: assim é a história de Neige,
o mentor destes Alcest. Como explicado na crítica à reedição de Le Secret, Neige aborda aqui o «conjunto de memórias da sua infância
que o levavam para um mundo onírico, distante da Terra, habitado por fadas e
composto por riachos, árvores e grandes florestas que emitem uma luz forte
adornada por pérolas e onde a música celestial preenche o ar puro de perfume». Pois, este tipo de comentários vindo de alguém
com um passado enraizado no black metal extremo seria impensável há poucos anos,
mas é bom constatar que as palas vão caindo.
Comparativamente com Écailles
de Lune, que globalmente é mais melancólico e se
divide em duas partes - a primeira metade agressiva e intensa, o resto do disco
abraça o som mais ambiente e melódico, Les
Voyages de l’Amê funciona como uma viagem mais etérea e onírica. De facto,
e sem ter operado uma mudança radical no som, Neige explora neste disco um lado
mais melódico e (ainda mais) harmonioso, com vozes ainda mais limpas alternadas
com laivos berrados. Autre Temps, o
primeiro tema do disco, deambula pelos dedilhados, guitarras semi-acústicas,
coros graciosos e orelhudos, definindo muito daquilo que o disco vai revelar,
em traços gerais. Tal como o blast beating típico do black metal, os primeiros
gritos surgem em Là où Naissent les Couleurs Nouvelles, um dos temas mais fortes e convincentes do
álbum, resgatando o legado do indie e do shoegaze do final dos anos 80, desaguando
num bonito solo à la Dinossaur Jr. Ainda
assim, refira-se que os gritos e a percussão black metal dão aqui e ali o ar da
sua graça, visto que estão bem camuflados neste conceito de harmonia que Neige
visou implementar.
Les Voyages de
l’Amê solidifica
ainda mais a discografia da banda, elevando ainda mais a harmonia e beleza
deste projecto, e neste ponto a produção polida ajuda de sobremaneira.
8.5/10
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