Se Satanás existisse, ele seria
um professor mestre em magia negra, teria a companhia de um gato que caminha em
duas patas e de capangas desdentados com poderes sobrenaturais. Satanás
visitaria a União Soviética de Stalin dos anos 30, tomaria de assalto os
teatros e centros culturais de Moscovo e era rapazinho para meter os maiores
génios da cultura em instituições psiquiátricas.
Era bem capaz.
Paralelamente, Pôncio Pilatos
recebe a vinda de Jesus Cristo na Judeia, estabelece uma estranha relação de empatia
com o profeta, mas sentenceia este à morte na cruz. Bizarro? É assim o mundo de
Margarita e o Mestre, um romance
fustigado pela censura stalinista.
Margarita e o Mestre foi escrito entre 1928 e 1940 por Bulgakov,
embora a esposa deste o tenha terminado em 1941, um ano após a morte do seu
marido, e conta-nos precisamente aquilo que acabou de ler algumas linhas atrás:
Woland, o misterioso Professor estrangeiro, presta uma visita à Moscovo do
século XIX, em pleno auge da ditadura comunista, para semear o caos e
destruição na sociedade russa. Woland é aqui Satanás, o príncipe das trevas
imortal que poderá muito bem ser o próprio Stalin: a sua função é infligir o
terror e castrar a cultura na Rússia. Woland não só manipula os grandes teatros
de Moscovo, como também enlouquece os grandes escritores e artistas russos rumo
aos hospícios.
O romance está dividido em duas
partes distintas: na primeira temos Woland e Moscovo da actualidade, na segunda
Jesus Cristo e Pôncio Pilatos da Judeia aquando da vinda do profeta cristão; a
narrativa desenvolve-se sensivelmente em um capítulo na actualidade moscovita e
outro na Judeia. Creio que a mensagem principal de Mikhail Bulgakov está na
comparação metafórica e extremamente hilariante do Stalinismo com o Satanismo. Ao
lermos o romance compreendemos que os capítulos de Woland são, como referido,
sarcásticos e decorrem a um ritmo muito acelerado para oferecer ao leitor uma
sensação de desordem e mal, enquanto que os de Jesus Cristo são descritos numa
toada lenta, séria e aparentemente factual - apesar de se identificar com
alguma doutrina cristã, Bulgakov não era cristão, ao contrário de Dostoyevsky,
por exemplo; o romance foi alvo de perseguição e censura pela própria
comunidade cristão russa.
Margarita e o Mestre é um romance sarcástico muito interessante que
facilmente se insere na grande obra literária russa sem no entanto se tornar
tão apelativo como, por exemplo, os escritos de Dostoyevsky. Isto, frise-se,
sem qualquer tipo de comparação.
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