A literatura portuguesa pós-25 de Abril representa um dos períodos de maior liberdade e reconhecimento para alguns dos mais consagrados autores portugueses. De facto, José Saramago, António Lobo Antunes, Lídia Jorge, o falecido José Cardoso Pires e outros dedicaram pelo menos um romance ao período pré revolução dos cravos.
Teolinda Gersão, nascida em Coimbra, 1940, aborda o período da nossa história governado por António de Oliveira Salazar – que na obra se chama simplesmente O.S. –, a crueldade de uma ditadura que atrasou um povo soberano e o lugar da mulher na sociedade. O romance aborda a vida de duas mulheres portuguesas, Hortense e a sua nora, Clara, que tentam lidar com a morte de Horácio, marido de Hortense, e Pedro, filho de Hortense, marido de Clara. Estes dois personagens masculinos morrem ambos pela mão do Estado Novo, pois Pedro é enviado contra vontade para o ultramar de África, onde é assassinado, e Horácio morre fruto de perseguições da PIDE.
Teolinda Gersão inverte no romance o significado tradicional que os mares outrora tiveram na nossa história. De facto, o mar perde a conotação de esperança que sempre teve, para dar lugar à fatalidade e sofrimento; o envio de pais e de filhos para o ultramar é relatado com óbvia tristeza pela escritora através de Hortense, que várias vezes ironiza o mar e as conquistas portuguesas. O papel do cristianismo na sociedade, associado a Salazar, um homem elevado à qualidade de Deus, também não escapa à ira da escritora. Assim sendo, as igrejas e o papel dos padres na educação e controlo dos portugueses são severamente visados.
Ao abordar o papel da mulher e a transição que se efectuou na mesma após a revolução dos cravos, Gersão evoca um novo tipo de lugar das mulheres na sociedade – pelo menos um que não existia na altura. Objectivamente, Hortense não só se revolta contra o próprio pai, ele mesmo um elemento de grande influência no sistema salazarista, como contra o machismo veiculado pela propaganda do Estado Novo. Hortense não tem ambição de ser “mãe parideira” que faz crochet e cozinha enquanto o homem vai ganhar o pão. Não, Hortense quer-se cultivar intelectualmente e ocupar cargos que eram destinados a homens somente. Não esqueçamos que estes desejos de emancipação foram ainda suprimidos pela sociedade aquando da publicação deste livro (1982) e, bem, ainda o são um pouco, creio.
Paisagem com Mulher e Mar ao Fundo é um bom livro e um bom exercício repleto de episódios da nossa história que não podem ser nunca esquecidos, mas em abono da verdade, há romances sobre a mesma temática mais atractivos.
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