Irvine Welsh é um dos poucos
autores contemporâneos nos quais investir 20 euros num dos seus romances é um
investimento seguro. Está a ver aquelas afirmações magnificamente convincentes,
do género «o melhor autor dos últimos tempos», ou «ninguém escreve como este
autor»? Bla, bla, bla, «o melhor da sua geração»? Bom, estes elogios não
aparecem na contracapa da obra, mas li algures que Welsh é «Celine dos tempos
modernos». Depois de ter lido o francês, a afirmação não se torna de todo
descabida, de facto.
Os Segredos de Alcova dos Mestres Cozinheiros apresenta-se diferente
de tudo aquilo que o escritor nascido em Leith já nos presenteou. A droga e o
álcool estão obviamente presentes em boas doses, mas os confrontos entre as
claques de futebol dos Hearts e do Hibbs e a decadência social - que estavam
tão presentes nos outros romances – suavizaram-se. Para além disto, Welsh criou
aqui e em Crime (publicado dois anos
depois desta obra) as personagens mais compassivas e conscientes que já vi em
toda a sua obra - o novo Skagboys (2012)
está aqui em casa para leitura, mas em regime de lista de espera. Quer dizer,
compassivas e conscientes como quem diz, não é: há muito ódio destilado e muita
fala de respeito pela vida alheia, mas comparado com Trainspotting ou Lixo, Crime e estes Segredos são um docinho para crianças.
A premissa do livro é hilariante:
Danny Skinner, um jovem alcoólico de 23 anos quer descobrir quem é o seu pai e
suspeita que poderá ser Alain de Fretais, um chefe de cozinha famoso que
escreve livros de culinária. A tarefa não se afigura simples, pois a sua mãe
não fala sobre o assunto, dificultando assim a vida ao jovem técnico de saúde
ambiental da Câmara Municipal de Leith. A outra personagem principal é Kibby,
um jovem virgem coleccionador de miniaturas de comboios que vive com uma mãe
ultra-cristã que o alerta para os perigos da masturbação e desrespeito pela
Bíblia. Skinner e Danny acabam por se conhecer no trabalho, mas o primeiro não
morre de amores pelo segundo e roga-lhe uma maldição hilariante: tudo o que
Skinner fizer de mal, atinge apenas Kibby.
Portanto, quem paga a factura das
bebedeiras é Kibby; quem acorda a andar de lado e a sangrar pelo ânus depois de
ter sido violado é Kibby, pois claro. Não esperava este tipo de enredo,
especialmente este aspecto sobrenatural no romance, mas acaba por resultar, por
acaso. Como referido inicialmente, a obra contém alguma compaixão e muita
seriedade: o que pode Skinner fazer quando se apercebe que o pobre Kibby está a
ficar sem fígado devido aos litros de álcool que ingere todos os dias? O que
fazer quando se pode comer, beber, e snifar tudo o que pode imaginar, sem
qualquer tipo de perigo físico?
Os
Segredos de Alcova dos Mestres Cozinheiros não é tão forte como os supra-sumo
Porno e Trainspotting, mas é na mesma divertido e muito, muito viciante, de
modo que o recomendo vivamente a todos os amantes de boa literatura.
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