Tratado das Paixões da Alma é o primeiro romance da trilogia apelidada de “ciclo de Lisboa”, composta por A Ordem Natural das Coisas e A Morte de Carlos Gardel. Este ciclo comporta a infância e adolescência de António Lobo Antunes e a sua vida em Benfica, Lisboa, recheada de lembranças dos seus amigos e da relação que tinha com os seus familiares, acontecimentos que marcaram o autor e que o mesmo nunca mais esqueceu.
Homem, inicialmente assim apresentado, é um indivíduo que pertence a uma organização terrorista e que se encontra preso a prestar declarações perante o “cavalheiro” e pelo Juiz de Instrução, de seu nome Zé. Ao largo da estória, o Homem revela chamar-se Antunes, e mais tarde António Antunes, sendo que o Juiz de Instrução tem o nome de Zé. A primeira conclusão que se pode retirar, é obviamente que Tratado das Paixões da Alma tem como personagem principal o próprio autor, intercalando os parágrafos com Zé e com outras personagens (algumas da rede terrorista: Sacerdote, Artista, Estudante, etc), ainda que durante a grande parte das páginas haja um parágrafo para o Juiz e outro para o Homem, respectivamente.
Se António (Lobo) Antunes é o Homem, Zé, o juiz, poderá ser o seu grande amigo já falecido José Cardoso Pires. Apesar de durante o livro todo não surja qualquer tipo de referência a “Cardoso” ou a “Pires”, não devemos excluir a possibilidade de que José Cardos Pires seja mesmo a personagem Zé, o Juiz: José Cardoso Pires aparece muitas vezes nas crónicas de Lobo Antunes como “Zé” e sempre tratado com um enorme carinho. A existência de uma rede terrorista e de Zé e António Antunes passarem o tempo na esquadra, serve apenas de pano de fundo para as lembranças de infância e adolescência que ambos partilharam em Benfica, sendo este sim, o verdadeiro tema do romance.
Zé e os seus pais são os caseiros duma quinta que pertence ao avô de Antunes, onde também vive António e os seus pais, e durante o período em que Zé e António conviveram, apercebemo-nos de que havia uma grande amizade entre os dois – melhores amigos do mundo -, onde não faltaram travessuras e situações verdadeiramente cómicas, escritas numa linguagem muito própria a que o autor já nos habituou: “- Repara no que o teu Avô me fez à boca, nota só o inchaço da gengiva, lamentou-se o meritíssimo a exibir o beiço ao Homem, dobrando-o, com os polegares, no sentido do queixo. Não me partiu um dente em bocadinhos por acaso, não me convides mais para fumar que o velho deixa-me em picado num segundo”
Tratado das Paixões da Alma, publicado em 1990, é um romance importante na vasta obra de António Lobo Antunes. A guerra colonial abordada de forma exaustiva nos seus prévios registos aparece aqui com pouca relevância, dando-nos espaço para conhecermos melhor o crescimento do jovem Lobo Antunes em Benfica e isso acaba por se tornar essencial na compreensão de um autor tão auto-biográfico como este.
Olá
ResponderEliminarLi os seus três artigos de opinião que escreveu sobre livros de António Lobo Antunes, e pretendo citá-los integralmente no site António Lobo Antunes (http://ala.t15.org), em espaço próprio para cada título, identificando-o, obviamente, como autor dos textos, e fazendo um link à fonte que é este seu Contracultura Aplicada. Caso se oponha, por favor entre em contacto: alaptla@gmail.com.
Obrigado.