terça-feira, 24 de maio de 2011

Craig Clevenger «The Contortionist’s Handbook»


Costumo visitar com alguma frequência um site muito interessante sobre Chuck Palahniuk, intitulado de The Cult, que é o site oficial do escritor, onde são referenciados e recomendados determinados autores e livros – Ensaio Sobre a Cegueira aparece no top. Numa das minhas últimas incursões extensivas encontrei um autor que suscitou o meu interesse, pelo facto de que o próprio Palahniuk afirmar que era o melhor livro que tinha lido nos últimos cinco ou dez anos e também porque Irvine Welsh (Trainspotting, Porno, Ecstasy) ter descrito o seu autor como um dos melhores a emergir nos últimos anos.

Assim que The Contortionist’s Handbook (2003) chegou às minhas mãos, foi uma questão de um ou dois dias para o ler e ficar extremamente satisfeito e viciado na escrita de Craig Clevenger, de modo que encomendei já o seu outro romance, publicado depois deste (2005), intitulado Dermaphoria. Não faço ideia se alguma editora portuguesa tem planos para a tradução deste romance, mas já há planos para adaptação ao cinema. Algo que só deverá acontecer em 2013. Voltando ao romance, Clevenger explora aqui um tipo de literatura transgressora/chocante, com muita alusão a drogas e análise do comportamento humano, e uma narrativa com boas referências aos grandes filmes do cinema noir, um pouquinho à semelhança do que o seu bom amigo Will Christopher Baer tem vindo a fazer com os seus romances. 

A obra explora a vida de John Dolant Vincent, um exímio falsificador de todo o tipo de documentos, em especial bilhetes de identidade e as suas constantes mudanças de nome e habitação. Vincent é Daniel Fletcher, Eric Bishop, Paul McIntyre ou Steve Eduards, dependendo da situação e da forma como melhor lhe convém. A narrativa tem dois momentos distintos: a avaliação psiquiátrica de Daniel Fletcher e o intercalamento com o seu passado. Enquanto a nossa personagem está a ser interrogada com a intenção do avaliador determinar se a overdose que Fletcher sofreu foi uma tentativa da suicídio ou fruto de uma acidental sobredosagem, Clevenger revela e explora com sensibilidade a infância triste e traumática da personagem principal. 

John Vincent nasceu com uma deformação na sua mão esquerda e tem seis dedos, o que lhe causou ao longo do seu crescimento várias situações desagradáveis, em especial na escola. Os pais de Clevenger vivem de empregos mal pagos e não tiveram dinheiro para avaliar o problema do dedo extra na mão do filho, assim como não intervieram quando o filho se começou a queixar de fortes enxaquecas. A falta de dinheiro é compreensível, de certa forma, mas há que ressalvar a negligência dos progenitores em relação à doença de John, em especial o pai, uma figura sempre ausente, ora preso, ora em liberdade e bêbado.

Cedo John se apercebe que têm uma aptidão para matemática e uma memória excepcional, a juntar à habilidade que desenvolve com as suas mãos. Enquanto os outros miúdos brincavam na rua e viviam felizes em família, o nosso pequeno marginal começa a criar falsificações para si e para quem precisava de uma falsa carta de condução. Chegado o momento em que a sua situação familiar atinge o máximo que um jovem consegue aguentar, John faz as malas e começa a viajar pelo país, mudando de identidade e tornando-se “expert” a falsificar documentos importantes para clientes que gerem negócios perigosos e clandestinos.

As drogas que John usa servem para tentar aliviar as horríveis dores que este sofre à medida que as enxaquecas aumentam, atirando-o geralmente para uma cama de hospital em que tem que responder pela ingestão indevida dos químicos. Como John é hábil nas falsificações de identidade, consegue sempre dar a volta à situação e apagar literalmente uma pessoa que tenha criado. Na presença de um psiquiatra avaliador, Clevenger mostra-nos um Daniel Fletcher extremamente evoluído no comportamento humano: John estuda meticulosamente todos os movimentos que o psiquiatra efectua e os seus próprios. Nada pode falhar. Este frente-a-frente denso relembra-me a cena em que o Dr. Hannibal Lecter se encontra enclausurado, na presença Clarice Starling, lendo e avaliando todos os movimentos e questões da inexperiente agente. Vincent, tal como Lecter, é capaz de fazer crer aos outros situações falsas, mantendo sempre uma postura calma e um discurso sóbrio.

The Contortionist’s Handbook é merecedor de toda a grande crítica que tem recebido desde a sua publicação. Craig Clevenger revelou-se-me um escritor maduro para quem publicou apenas dois romances, em particular este, o de estreia. Apesar de John Dolan Vincent não ser um exemplo de cidadão modelo, há um grande efeito de empatia e simpatia criado à sua volta, tal qual Mark Renton “Rents” de Trainspotting.

Nota: esta crítica foi baseada na leitura da obra no seu idioma original, o inglês.

2 comentários:

  1. Este e o Slow man do J.M. Coetzee já estão na lista.
    Thanks m8.

    ResponderEliminar
  2. E faz vossa excelência muito bem! :) Estilos e escritas diferentes, mas valem muito a pena :)

    ResponderEliminar