A par de James Joyce ou Samuel Beckett, Oscar Wilde é um dos escritores irlandeses mais famosos e criativos, cujo legado literário é objecto de estudo intenso. Intensamente ligado às Artes e à Estética, Wilde dedicou grande parte da sua vida ao estudo destas correntes culturais e filosóficas, quer no teatro, quer na literatura. O Retrato de Dorian Gray, seu único romance, explora o esteticismo.
Dorian Gray (Oscar Wilde) é um jovem belo e respeitadíssimo nos centros aristocráticos da Inglaterra do séc. XIX, um jovem em quem Basil Hallward se inspira para criar a sua obra-prima: o retrato de Dorian Gray. Basil (Oscar Wilde) vê em Dorian um Adónis, um ser esbelto e expoente máximo da beleza; o triunfo da arte e do prazer sobre a vida e a moral. O triângulo completa-se com Lord Henry Wotton (Oscar Wilde), um cavalheiro que trava conhecimento com o jovem Adónis e trava uma relação íntima de amizade homoerótica, moldando-o à sua maneira, transmitindo-lhe a sua filosofia de vida que se baseia na procura do hedonismo.
No momento em que Basil acaba de sumptuosamente pintar Gray, este fica possesso por uma enorme sensação narcisista e pede para que o quadro fique na sua posse, para seu deleite. No entanto, a bela representação sofre alterações à medida que o jovem comete excessos e loucuras: o retrato envelhece, desbota e a expressão facial altera-se ruinosamente. O primeiro grande momento do cinismo e despreocupação pela moral da vida dá-se quando Gray conhece uma Sibyl Vane, uma jovem bela que faz teatro de forma graciosa, por quem ele se apaixona e decide casar-se. Contudo, e constatando o amor, a jovem perde interesse na representação e tem uma actuação medíocre, conduzindo Dorian Gray a um ataque de fúria e humilhação, findo o qual rompe com a relação, levando Vane ao suicídio. A reacção de Gray perante esta situação é de puro desinteresse, prosseguindo com o seu estilo de vida vaidoso e dandista. O segundo grande momento da acção acontece com o assassinato hediondo por parte do dandy.
A narrativa banha-se em belas, grandiosas e faustosas descrições góticas de personagens e cenários, imprimindo um ritmo lento, deveras arrastado, criando precisamente um clima de individualismo e contemplação da arte: literatura, pintura, música, teatro, escultura. Oscar Wilde é, no fundo, todas as personagens da obra, como o próprio admitiu: «Basil Hallward é aquilo que eu penso de mim; Lord Henry, o que o mundo pensa de mim; Dorian é o que eu gostaria de ser noutra época, talvez.» As interpretações da obra são ambíguas e têm criado fortes discussões, mas parece ser claro que Wilde não pretendeu nunca que fosse feita uma representação fiel da sua pessoa neste romance; apesar de ser um grande estudioso e defensor do Esteticismo e de todas as transgressões que o movimento causa em prol da arte e da perfeição, reduzindo o papel da moral em várias ocasiões («A vida moral do homem é assunto para o artista, mas a moralidade da arte consiste na perfeita utilização de um meio imperfeito.»), o autor valoriza a imaginação – em oposição à moral – como meio para atingir a perfeição artística do Homem («Era a imaginação que gerava em cada crime os seus fantasmas hediondos. No mundo vulgar dos factos, os maus não eram castigados nem os bons recompensados.»).
A moral acaba no final da obra por ser recompensada, contrariando a ideia do individualismo e imoralidade presente ao longo do romance, no entanto. O Retrato de Dorian Gray é um belo e complexo livro - especialmente se for visto de um prisma totalmente estético – que assinalou, em vários momentos após a sua publicação, o polémico decadentismo britânico.
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