Não muito raramente acontece que um autor fique famoso e idolatrado após deixar o reino dos vivos. Se atentarmos sobre grandes nomes que populam hoje as Artes, constatamos que Franz Kafka, Vincent van Gogh, Edgar Allan Poe, Henry Thoreau, Jeff Buckley ou Emily Dickinson, entre outros, tiveram vidas discretas – miseráveis nalguns dos casos – e o seu valor nunca lhes foi reconhecido aquando da realização das suas diferentes profissões.
Roberto Bolaño é um dos últimos fenómenos da fama “post-mortem” da Literatura. Nascido no Chile em 1953, o sul-americano deixou um legado de obras que hoje abundam em destaque nas principais livrarias da América latina, Espanha, Estados Unidos e no nosso país; 2666, o seu mais famoso romance, foi campeão de vendas do ano passado e, desde então, outros livros do autor têm suscitado o interesse do público. Os Dissabores do Verdadeiro Polícia, escrito em diferentes entre a década de 80 e 2003, é o registo que Roberto Bolaño definiu como a sua melhor obra («é o MEU romance»). Amalfitano é um homem viúvo de 50 anos que passou parte da sua vida fora do seu país natal, trabalhando no ramo da tradução e ensino e que agora regressa ao México na companhia de Rosa, a sua filha de 17 anos. Descobriu recentemente que é homossexual e apaixonou-se por Padilla, um ex-aluno seu de uma universidade de Barcelona, com quem estabelece uma relação íntima forte de amizade e paixão onde divagam, por exemplo, sobre quem é o poeta mais “bicha” e sobre o livro que Padilla está a escrever, intitulado O Deus dos Homossexuais.
Esta é a ligação mais forte entre personagens existente neste romance fragmentado em cinco capítulos, constituídos eles por vários sub-capítulos aparentemente desconexos mas acabados – a obra não chegou a ser finalizada, no entanto. Ao longo do livro, Bolaño explora e viaja pelo mundo e pelos grandes artistas de várias nações, revelando uma grande cultura e capacidade de organização notáveis. Como já foi referido, não obstante todos os capítulos estarem completos, a obra ficou inacabada e cabe ao leitor configurar a aparentemente deficiente ligação entre espaços, personagens e histórias, resultando daí talvez o “detectives” presente no título. Bolaño tentou incorporar nesta obra os grandes poetas, romancistas e outros ligados à Arte; no fundo, o autor conduz a alta velocidade pelas estradas da fantasia e realidade, cruzando e referindo personagens e génios espaçadas geográfica e temporalmente - criando mesmo autores inexistentes como é o caso de Arcimboldi, um romancista que aparece noutras obras do chileno.
A capacidade de descrever de forma rápida mas detalhada culturas por onde Amalfitano passa é notável, assim como o tradicional humor latino-americano - numa das várias cartas trocadas entre Padilla e Amalfitano, o espanhol escreve que «O meu romance, disse ele, será como uma emissão de luz estroboscópica, com muitas personagens (mas desdenhadas ou desenhadas com traços arbitrários e ditados pelo acaso) e muita violência e muitas lutas de lobos e de cães e de muitas pilas em riste e lubrificadas, muitas pilas duras e muitos uivos» - e as mortes carregadas com algum humor negro (o último capítulo intitula-se Assassinos de Sonora) que amenizam a verdadeira tragédia que assola o México no particular, e a Vida no geral.
Os Dissabores do Verdadeiro Polícia aproxima o autor do leitor, na medida em que este tem que descodificar o elo de ligação das histórias de um romance que pode ser interpretado de forma diferente consoante quem o lê. Um livro que fica um pouco aquém das expectativas criadas em torno do mesmo, alimentando-se de demasiado marketing e muito “hype” por parte da crítica, mas que é muito bem escrito e proporciona bom prazer.
Estou a ver que podemos encontrar pontes entre este livro e o 2666. Por acaso ainda não tenho esse, mas está na wishlist
ResponderEliminarAparecem aqui personagens do 2666, mas ainda não li o 2666. Este aqui gostei, mas esperava muito mais.
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