Ricardo Adolfo continua a dar cartas no mundo da nova ficção nacional. O autor de Mizé – Antes Galdéria do que Normal e Remediada e Depois de Morrer Aconteceram-me Muitas Coisas apresenta-nos o romance de uma anti heroína de vinte e poucos anos residente na zona da Linha de Sintra.
Maria, uma rapariga que estudou
numa faculdade de Lisboa, vê-se no desemprego, com salários em atraso, a
partilhar uma casa com uma raparigas da má vida e ardentemente apaixonada por
Velhinho, um gigolo profissional que anda pelo Algarve a fazer turistas.
Ricardo Adolfo escreve capítulos curtíssimos e em conformidade com a rapidez e
o calão que as suas personagens debitam na narração e diálogos, iniciando cada
novo capítulo em forma de um diário onde Maria regista os seus pensamentos e
sonhos; são sempre dirigidos ao tal Velhinho:
«Velho verme,
Estamos com um ódio canídeo à tua
pessoa e ao resto do mundo. Estamos prestes a ir ao Nandos comprar uma fusca
que te desfaça a carapinha e o nariz empinado em milhares de bocadinhos
pequeninhos».
Perante a corrupção da empresa
onde acaba de ser despedida, a inoperância dos sindicatos e a falta de resposta
por parte da Segurança Social, Maria vê-se obrigada a safar-se como pode no
país do “desenrascanço”. Como distracção, Maria e as amigas vão a Rio de Mouro
ao Bar e Salão de Fogo Nandos, um espaço localizado no terceiro andar de um
prédio, onde os fregueses podem disparar armas de fogo contra a parede. À
medida que a nossa protagonista fica expert na arte de disparar e a sua vida
pessoal e mercado de trabalho caminham para o precipício, Maria deseja ardentemente
adquirir uma Baikal de canos serrados para entrar no mundo dos criminosos.
Repleto de vernáculo e linguagem
popular, esta Maria dos Canos Serrados retrata
fielmente a realidade de muitos jovens portugueses que frequentaram o ensino
superior sem porém terem argumentos e oportunidades no mercado de trabalho que
lhes estava destinado; a corrupção no mundo empresarial português é igualmente
visado sob um olhar extremamente irónico, como aliás o autor nos tem habituado.
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