Escrever sobre um álbum que saiu no dia 19 de Junho de 2000, que nessa altura causou tão boa impressão, que recebeu críticas excelentes, é, para mim, uma sensação única, tenho que o partilhar. O que quer que aqui vá ler, muito provavelmente já o fez numa outra revista, num outro texto online, e por isso terá que aceitar as minhas mais sinceras desculpas por ser mais uma pessoa que escreve sobre aquele que foi um dos discos da década passada e um dos mais fascinantes de sempre da história da música rock.
Criando uma imagem mental de tudo o que a banda lançou desde 1995 a 2010, este é o registo que se destaca dos demais pela sua singularidade e originalidade, criando atmosferas oníricas e sentimentos de amor duro, verdadeiro, cruel, misturados com a sensualidade alucinogénica e a abstracção que a mente de Chino Moreno consegue, numa primeira fase, delinear e numa segunda fase, transpor compor. O termo “white pony” é, de facto, calão norte-americano para “cocaína”, sem embargo, “Ponyboy” era o nome que Moreno utilizava muitas vezes nos hotéis, iludindo assim com este pseudónimo os fás; no entanto, White Pony acaba por ser um título que mistura essa vertente da cocaína e o mundo irreal que o vocalista adora transgredir.
Os temas Dai the Flu, Be Quiet and Drive (Far Away) e Lotion do álbum anterior Around the Fur acabaram por ser, em boa parte, o prenúncio daquilo que este álbum se viria a tornar: menor influência do metal, especialmente a nível de guitarras, um maior abraço à melodia e harmonia de vozes e espaço para exploração de ambientes e géneros musicais menos pesados. Um dos aspectos que salta imediatamente à vista no disco, é a voz muito bem mais trabalhada, a percussão variada e o uso de samples e efeitos. Objectivamente, o trabalho de Frank Delgado nos teclados e “turntables” é de uma qualidade notável, muito fora de série; trocando por outras palavras, não há a mínima comparação entre o desempenho (e utilidade) de Delgado e os dois membros de Slipknot, Sid Wilson e Craig Jones. Há uma genuína fruição entre o ouvinte e o ambiente artificial gerado nos temas Digital Bath, Teenager ou Change (In the House of Flies), entre outros.
O primeiro choque com os dois anteriores registos dá-se provavelmente com a influência do trip-hop de uns Massive Attac e Portishhead na já citada faixa Digital Bath, uma das mais envolventes de todo o disco – a minha preferida. Apesar de apresentar um ritmo calmo e digno de passar nas rádios, a canção apresenta uma letra bem negativa sobre uma rapariga que é metida numa banheira enquanto é electrocutada, sendo depois secada e vestida. Sensivelmente a meio da faixa, quando se ouve “Tonight I feel like more/ I feel like more” é audível o pico do timbre de Chino Moreno, num grito de arrepiar e guitarras intensas (duas guitarras aqui funcionam bem melhor do que Stephen Carpenteter sozinho). O segundo grande momento da canção ocorre com “You breathed / Then you stopped/ I breathed, then dried you off”, acompanhado por um sample de água e bolhas, quebrando o ritmo para logo de seguida se dar um” loop” vertiginoso e caótico. Teenager e o abuso de pop e shoegaze poderia ter sido posta de parte para o projecto Team Sleep de onde Chino Moreno faz parte; de qualquer das formas, é uma linda canção e encaixa que nem uma luva entre Street Carp e Knife Party.
Knife Party é outro dos temas que aborda o amor sob efeito de drogas de uma forma perigosa: há aqui um jogo sensual entre pessoas que se injectam (“chrome knife” é calão para seringa) e fazem sexo, ao longo de um instrumental e uma segunda voz perturbadora e assustadora. Cada jorro de sangue (injecção, entenda-se) é acompanhado por berros em desespero. Não obstante a crueldade da canção (faz lembrar um pouco a temática e a tristeza presente em Try, Try, Try dos Smashing Pumpkins), é um dos temas mais originais que ouvi no rock das últimas décadas. Há ainda destaque especial para o enorme contributo de Maynard James Keenan (Tool, A Perfect Circle) em Passenger, para o orelhudo e emotivo single Change (In the House of Flies) e para os quase oito minutos de Pink Maggit.
White Pony elevou tanto a fasquia que ficará para sempre no “hall of fame” da música com peso e sentimento. Desde o seu lançamento, a banda nunca mais conseguiu lançar outro disco igual a este, apesar do esforço e qualidade de Saturday Night Wrist e Diamond Eyes – especialmente este último. Um álbum completíssimo [para ficar ainda mais completo, nada melhor do que a aquisição do EP Back to School (Mini Maggit), de 2001], de alto calibre e sem qualquer tipo de “fillers” entre as canções: todas elas dariam excelentes singles. Seria impossível pedir mais.
10/10
Sem comentários:
Enviar um comentário