Quando penso em neve, penso em frio, humidade e o sonho de todas as crianças: bonecos de neve, pois claro. Penso também na Suécia, Noruega e Finlândia, no povo sami que habita as lindas e gélidas paisagens do norte destes referidos países, e ocasionalmente dá-me vontade de ouvir Celtic Frost e Bathory (todas as suas metamorfoses). Por vezes, divago a pensar na experiência que é estar numa sauna a 80 graus e desatar a correr nu para a neve, onde imperam os 30 graus negativos e onde se dá um choque térmico inicial que paralisa o corpo, para logo de seguida nos deixar extasiados e relaxados.
A primeira vez que escutei Alcest, fiquei absolutamente extasiado, como se tivesse passado novamente pela experiência quente/gélida que referi no parágrafo anterior, e curiosamente, o mentor desta banda do sul de França dá-se a conhecer pelo nome artístico de “Neige” (“neve”, em português). Ao contrário do que possa sugerir a neve no contexto mais obscuro do heavy metal – black metal e as conotações satanistas e nihilistas -, Neige compõe música absolutamente bela e afastada ao máximo dos clichés habituais no mundo do rock extremo: Alcest representa, segundo o próprio Neige, um conjunto de memórias da sua infância que o levavam para um mundo onírico, distante da Terra, habitado por fadas e composto por riachos, árvores e grandes florestas que emitem uma luz forte adornada por pérolas e onde a música celestial preenche o ar puro de perfume. Alcest é… tudo menos a inferno e o gelo do black metal, apesar de nas primeiras demos a banda cambalear em torno do género.
Le Secret, totalmente cantado em francês, foi o primeiro EP da banda, lançado em 2005 pela Drakkar Productions e agora, felizmente, reeditado pela Prophecy Productions. O disco não difere muito da sua primeira edição, na altura composto por dois temas Le Secret e Élévation, sendo que estes sofreram uma remasterização, perfazendo então quatro músicas. Reina aqui a música atmosférica com influências do post-rock de uns Mogwai e o shoegaze que caracteriza parte da composição musical dos Agalloch, intercalado com laivos de black metal minimalista e um certo aroma a The Gathering, na sua fase mais trip-rock. A água da nascente desce ao longo do riacho de Le Secret, mas é em Élévation que o som do disco se torna mais épico e memorável, com teclados e vozes cortantes e acordes de guitarra plenos de melodia. O calcanhar de Aquiles desta reedição reside precisamente nas vocalizações abafadas e pouco nítidas, quando em comparação com o instrumental; com efeito, nem mesmo a remasterização trouxe ao de cima a verdadeira essência das cordas vocais de Neige, que soam mais mágicas nos dois longa-duração que se seguiram a este EP (Souvenirs d'un Autre Monde e Écailles de Lune, respectivamente).
Esperava um pouquinho mais da lavagem efectuada aos dois temas de 2005, porém, este Le Secret é óptimo no sentido em que é essencial para a compreensão dos Alcest e porque a primeira edição há muito que se encontrava esgotada ou a preços exorbitantes. A ouvir e desfrutar enquanto Les Voyages De L'Âme não vê a luz do dia.
7/10
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