quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Steven Blush «American Hardcore: A Tribal History»


A música, como todas as vertentes estético-artísticas, tem movimentos e períodos específicos que marcam uma era e perduram no tempo. Hardcore punk pode ser definido como a segunda vaga do punk rock, caracterizando-se principalmente pelo ritmo acelerado da bateria, distorção acentuada nas guitarras, letras consideravelmente berradas, músicas curtas (dois a três minutos) e uma ênfase lírica que vai para além do anarquismo que marcou grande parte do punk rock britânico (The Crass, Sex Pistols, The Exploited, etc), abrangendo tópicos como a própria cena hardcore, o vegetarianismo/veganismo, a postura straight edge, gravações independentes de discos ou revolta contra o governo de Ronald Reagan (no contexto norte-americano). 

Steven Blush é alguém que acompanhou de perto e conviveu com as maiores bandas norte-americanas, utilizando aqui nesta enciclopédia vários testemunhos de situações que ocorreram e de amigos que ele fez e com os quais ainda mantém contacto, dando um precioso contributo para uma melhor compreensão do movimento e de muitas bandas em particular. Com efeito, Blush fez uma pesquisa minuciosa sobre o período de 1980 a 86, altura em que, para ele e alguns dos entrevistados, o hardcore punk morre, cobrindo praticamente estado a estado, desde o sul/norte da Califórnia (Black Flag, Circle Jerks, Dead Kennedys, Agent Orange, The Adolescents, Suicidal Tendencies, Descendents, Minutemen), o Texas (Dirty Rotten Imbeciles, Verbal Abuse), Nevada (7 Seconds), Washington DC [Minor Threat, Bad Brains, The Teen Idles, Iron Cross, Scream (banda de Dave Grohl, que mais tarde viria a integrar os Nirvana e a formar os Foo Fighters)], Nova Iorque (Reagan Youth, Agnostic Front, Murphy’s Law, Beastie Boys), Minesota (Hüsker Dü), Carolina do Norte (Corrosion of Conformity), Massachusetts (Social System Decontrol, Negative FX, Siege)  e outros estados de menor importância para o movimento, havendo um grande destaque para a Califórnia, Nova Iorque e Washington DC.

Blush diz o que pensa e não pensa duas vezes antes de ridicularizar alguma banda ou ramificação do hardcore punk, embora por vezes teça alguns elogios a determinados sub-géneros e discos que não são propriamente hardcore, mas que tiveram uma grande influência na cena – os discos dos Fear e Flipper merecem destaque por parte do autor. Enquanto Blush analisa o que aconteceu depois de 86 e o aparecimento do thrashcore, crossover, sludgecore, youth crew, post-hardcore, emocore, screamocore, powerviolence, grindcore, crustcore, etc, ele revela curiosidades sobre várias bandas e mutações de certos artistas: Moby, que teve uma banda de hardcore punk, os já referidos Corrosion of Conformity e sua passagem do hardcore cru para o sludge/stoner, o rap dos Beastie Boys, a conversão post-punk/goth dos The Sounds of Liberty e mais outros pormenores que valem a pena ser lidos.

«Estou a documentar a cena musical do hardcore punk americano porque está a ser esquecido. A sua história está-se a evaporar e os seus participantes caem no esquecimento ou encontram a religião ou reprimem as memórias daqueles dinâmicos dias. Este livro expressa os melhores anos do hardcore american, de 1980 a 86. Muito se passou naqueles anos. Hardcore foi mais que música – tornou-se também num movimento político e social. (…) O mundo mudou dramaticamente ao largo das últimas décadas. O que ocorreu no início dos anos 80 não pode voltar a ser repetido». É desta forma crua e directa que Steven Blush inicia o seu livro; no entanto, será que o hardcore punk morreu de facto em 86? Penso que não.

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