domingo, 4 de dezembro de 2011

Italo Calvino «Se Numa Noite de Inverno um Viajante»


«Estás para começar a ler o novo romance Se numa noite de Inverno um viajante de Italo Calvino. Descontrai-te. Recolhe-te. Afasta de ti todos os outros pensamentos. Deixa esfumar-te no indistinto o mundo que te rodeia. A porta é melhor fechá-la; lá dentro a televisão está sempre acesa. Diz aos outros «Não, não quero ver televisão!» levanta a voz, senão não te ouvem: «Estou a ler! Não quero que me incomodem!» não devem ter-te ouvido, com aquele barulho todo; fala mais alto, grita: «Estou a começar a ler o novo romance de Italo Calvino!» Ou se não quiseres não digas nada; esperemos que te deixem em paz.»

Assim começa o primeiro capítulo de um escritor e romance tremendamente invulgares. Nascido em 1923 em Cuba, este autor italiano foi uma das personagens que mais marcou o séc. XX na área da literatura, dedicando quase todo o seu tempo à escrita e à leitura; de facto, para Calvino, ler era tão ou mais importante que escrever e isso reflectiu-se na criação literária que exerceu desde 1947 a 1983, ano da sua morte e no qual é editado Palomar. Em 1979 escreveu este invulgar livro que se foca na paixão que usufruímos ao ler um romance e no qual o protagonista é precisamente eu, você e qualquer outra pessoa, ao largo de uma estória fictícia que engloba dez livros de autores inventados. Calvino dirige-se a nós por “tu” e cria um Leitor e uma Leitora que se conhecem e trocam impressões sobre romances que vão comprando e encontrando, embora estes nunca estejam completos: ao invés, encontram-se acabados mas interrompidos.

A narrativa deambula numa relação de extrema proximidade entre o escritor e o leitor, adquirindo o primeiro a forma do segundo por várias vezes, provocando e metendo-se connosco variadíssimas vezes. Outro pormenor importante é o facto de o título do livro se apresentar também ele incompleto, de certa forma, ou na pior das hipóteses a precisar de umas reticências; os dez romances que fazem parte da obra vão surgindo da interacção que Calvino cria entre o Leitor e a Leitora, da forma como ambos vão trocando ideias sobre romances que os seus autores não acabam ou simplesmente os leitores vêm-se interrompidos e obrigados a mudar para outro romance. Este curtos romances podiam perfeitamente ser contos; na realidade, Italo Calvino sempre se confessou ser mais um contista que um romancista. Os romances, por si mesmos, debruçam-se sobre diferentes temáticas e embora distanciados temporalmente, acabam por se interligarem.

Se Numa Noite de Inverno um Viajante foi escrito para si. É uma amabilidade que o seu autor cometeu ao prestar uma grande homenagem aos livros e à paixão que cada diferente livro desperta em quem o lê. Longe de ser um romance típico, esta arrojada obra desperta um certo sentimento de frustração em relação às expectativas que pode criar e, apesar de ser dirigida a todos, só alguns a vão apreciar.

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