Costuma-se dizer que o primeiro
pensamento, o pensamento intuitivo, é sempre a melhor ideia, e diz-se
igualmente que é preferível agir e agir mal, do que não agir. José Luís
Peixoto, autor de Abraço, Livro e Cemitério de Pianos, entre outros, teve a ideia de escrever sobre
uma viagem à Coreia do Norte quando se encontrava em Los Angeles, Estados
Unidos, a conhecer a Koreatown dessa metrópole norte-americana. «E se eu fosse
à Coreia do Norte e escrevesse mesmo um livro sobre essa aventura?», certamente
que foi este o pensamento do escritor.
Em Abril de 2012, aquando das
comemorações do centenário do nascimento de Kim Il-sung, em Pyongyang, Peixoto participou
na viagem mais extensa e longa que o governo norte-coreano autorizou nos
últimos anos, tendo passado por todos os pontos simbólicos do país e do regime,
mas também por algumas cidades e lugares que não recebiam visitantes
estrangeiros há mais de sessenta anos. O telemóvel ficou retido na alfândega, a
câmara fotográfica seguiu viagem e fotografou aquilo que não deveria captar, Dom Quixote de la Mancha, que também
deveria ter sido apreendido à chegada ao país, logrou ir escondido junto das
roupas dentro da mala de viagem. Durante vários momentos da sua viagem ao país
mais fechado do mundo, o autor refugiou-se em Sancho Pança para tentar esquecer
a lavagem cerebral que os guias turísticos tentaram sucessivamente impingir ao
grupo de turistas de onde o escritor fez parte. Numa ditadura que ultrapassa a
miséria e falta de liberdade estalinista, José Luís Peixoto arriscou fotografar
e registar com a caneta situações que lhe poderiam ter custado caro.
Para evitar más interpretações, o
vencedor do Prémio Saramago 2001 frisa na obra que é «contra todos os regimes
totalitários e ditaduras» e que sempre teve «curiosidade no sentido de tentar
perceber o quotidiano de quem vive nessas sociedades». É importante explicar
isto, obviamente, mas quem já conhece bem o escritor, conhece-lhe as raízes
anarcho-punk e grindcore anti-sistema. Em traços largos, este livro regista os
momentos marcantes de uma viagem a um mundo fechado do resto do planeta; um
mundo onde não há liberdade de expressão, um país onde os ditadores têm poderes
sobrenaturais, onde estes mesmos líderes nascem sob arco-íris duplos nos montes
mais altos de uma nação que foi abandonada pela China e União Soviética. Certamente
que estas características político-culturais são sobejamente conhecidas pelas
pessoas, e não seria por aqui que residiria a vontade em comprar este livro. O
que torna este livro atractivo é a forma como Peixoto escreve sobre realidades
que parecem inverosímeis a nós, habitantes do mundo ocidental; a escrita
poética, bem trabalhada, sarcástica, que o autor emprega. Está presente todo um
grande sentimento de empatia e compaixão pelos habitantes que acreditam –
melhor dizendo, que os fazem acreditar – viver no país perfeito, onde nada lhes
falta, e uma enorme admiração pelas crianças. Sobre estas, é notória a tristeza
do autor em relação à forma como o regime lhes rouba sonhos e direitos.
Há uma passagem na obra que
define este segredo: «Os segredos estão dentro de nós. Como tudo o que sabemos,
também os segredos nos constituem. Também os segredos são aquilo que somos. Quando
os seguramos, quando somos mais fortes e os contemos, alastram-se em nós. Desde
dentro, chegam à nossa pele. Depois, avançam até sermos capazes de os
reconhecer. Então, nesse momento, já não são apenas os segredos que estão
dentro de nós, somos também nós que estamos dentro dos segredos.»
Dentro do Segredo é recomendado sobretudo a quem já conhece a obra
de José Luís Peixoto e quiser saber um pouco mais sobre a sua viagem à Coreia
do Norte.
Ainda não li nada de Peixoto.
ResponderEliminarEste é um livro que certamente irei ler.
O meu favorito é 'Cemitério de Pianos', mas recomendo este também.
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