Algures na Alemanha existe um
jovem viajante de hábitos nómadas que se instala em Wandernburgo, uma cidade
imaginária localizada entre Dessau e Berlim. Hans, a personagem central deste
romance, apaixona-se por esta cidade especial habitada por cidadãos invulgares
e apaixonados pelas artes. Há também um velho educado e erudito que toca
realejo nas ruas.
Foi graças a este espaço
imaginário alemão que o argentino Andrés Neuman venceu o Prémio Alfaguara de
2009, um romance que decorre no séc. XIX dedicado à literatura, poesia, filosofia,
artes e pintura, onde são debatidas questões sobre a política e a questão da
Europa enquanto continente potência e as guerras subjacentes entre a Prússia e
França. Há também uma história de amor à antiga entre Hans, um tradutor fluente
em vários idiomas, e Sophie Gottlieb, uma jovem comprometida a casar com Rudi
Wilderhaus, oriundo das famílias nobres da região. Neste aspecto, O Viajante do Século segue os trâmites
obrigatórios do romance tradicional: Hans e Sophie trocam cartas entre si
através de criados, encontram-se às escondidas, fazem amor e vivem uma relação
proibida.
Esta típica relação tende, por
vezes, a alongar-se em demasia e fica a clara sensação de que Neuman poderia
ter encurtado em um terço esta narrativa amorosa, pelo simples motivo de que é
clássica em todos os aspectos. Mas adiante. O ponto alto da obra reside, sem
dúvida, nas reuniões e debates intelectuais que decorrem na casa Gottlieb entre
algumas das pessoas mais importantes da sociedade wandenrburguesa, entre os
quais um espanhol exilado, Álvaro, o Sr. Gottlieb, Rudi Wilderhaus e o
Professor Mietter. Álvaro e Hans – por vezes auxiliados pela prórpia Sophie - são
os dois das ideias modernistas e colectivas, ao passo que o conservadorismo e
nacionalismo exacerbado são representados principalmente pelo Prof. Mietter.
Nestas reuniões são declamados também poemas e encenadas peças de teatro entre
todos, aumentando ainda mais a tensão entre as divergências
político-filosóficas.
Entretanto, Sophie e Hans decidem
começar a trabalhar em conjunto nas traduções de grandes poetas e romancistas
europeus e americanos, conduzindo ao mal-estar e reprovação de quase todos os
que rodeiam a vida entre uma senhora comprometida e um jovem de quem pouco ou
quase nada é conhecido. O referido foco político e cultural da narrativa é um
dos pontos de maior interesse da obra, trazendo à baila uma exactidão histórica
bem estruturada que denota também um grande conhecimento literário por parte do
autor.
Um romance apaixonado e clássico
com uma boa dose moderna onde a política e as artes se unem numa cidade e
ambiente acolhedores, onde existe ao mesmo tempo um grande sentimento de
liberdade e pertença a um lugar imaginário que poderia ser real.
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