Esta é uma das raras
oportunidades que o leitor tem de ficar a saber a vida privada de António Lobo
Antunes. Esta compilação de cartas que o autor escreveu à sua esposa enquanto
esteve na Guerra Colonial, é uma porta para conhecermos o lado mais apaixonado
e carinhoso de um dos grandes escritores da actualidade.
As cartas espelham a miséria e
horrores de um jovem que não assistiu ao nascimento da sua primeira filha e que
pouco tempo teve para estar a sua esposa após o casamento. Sonhador e
irreverente, Lobo Antunes nunca quis ir para a guerra, jamais pediu para viajar
para Angola e estar só, rodeado de morte e fome. As cartas revelam um ser
humano de uma capacidade única para ultrapassar o sofrimento de um pai e marido
ausente, um homem que escreveu um romance num regime de incerteza em relação ao
amanhã.
Um dos aspectos mais
interessantes nesta obra é o António Lobo Antunes que redigiu o seu primeiro
romance por volta de 1972, intitulado Voo
– Crónica da Morte Portuguesa, um livro que incidia sobre Portugal e a sua
sociedade, temática amplamente explorada na sua vasta obra. Depressivo, mas com
uma grande capacidade de sofrimento, este autor viveu quase exclusivamente da
força que a sua primeira esposa lhe deu, constantemente apaixonado e grato pelo
casamento. Não raras vezes encontramos o autor a ler e a criticar romances e
escritores, ficamos também a saber que os escritores latino-americanos, como é
o caso de Gabriel García Márquez, eram naquela época os maiores, sem descurar a
importância de Louis-Ferdinand Céline, entre outros pertencentes a um lote
restrito.
O leitor sentir-se-á quase sempre
intrometido na vida privada do autor, um sentimento de intromissão; certamente
que partilhará a angústia e tristeza de quem se viu privado do nascimento da
sua primeira filha e que resistiu ao desgaste de uma guerra. A progressão emocionante
da narrativa confere a estas cartas de guerra uma costela de romance.
Sem comentários:
Enviar um comentário