Tendo como referência o período da Revolução dos Cravos, este romance desvia-se irremediavelmente na triste vida da família Mendes e do calvário que a ditadura e o golpe militar lhe infligiu. Duarte, a personagem principal, é uma das muitas crianças que nasceram durante a guerra colonial do ultramar.
A obra é-nos contada em sete
partes divididas por vários capítulos curtos, aparentemente concisos e
interligados, mas autónomos entre si. A narrativa orienta-se em volta dos
passos de Duarte Mendes, ainda que por vezes haja capítulos dedicados ao pai e
avó, por quem a personagem principal sente especial carinho. Todas estas
personagens estão intimamente ligadas ao 25 de Abril: o antes e o após; um
depois que se verifica não ter mudado muito na mentalidade e organização da
vida portuguesa. Até aqui, tudo parece estar em conformidade para tornar este
romance num bom livro.
Vencedor do Prémio LeYa 2011,
concurso prestigiadíssimo de Literatura, o jovem autor Ricardo João Pedro
promete ao leitor uma obra fascinante com uma estrutura exemplar. A escrita é
marcada pelo excesso de palavrões, pelas vírgulas abusivas e por uma frieza e
quasi-objectividade que acaba por tornar a leitura aborrecida, previsível,
pré-fabricada. Os palavrões funcionam bem tanto num livro como no quotidiano
quando bem empregues, tudo na vida tem hora e lugar; no entanto, se a
verborreia é feita a torto e a direito e sem pedir licença, certamente que
cairá no ridículo. Veja-se o caso exemplar de Irvine Welsh: as personagens de
Leith até que violam os bons costumes britânicos com frequência, mas o autor
escocês faz questão de lhes emprestar a sujidade linguística nos momentos
acertados. Aqui, numa «aldeia com nome de mamífero», não só as personagens mas
também o narrador se perdem em discursos desconexos e listagens de impropérios.
As vírgulas e os pontos matam por
completo a acção. Ao tentar tornar a sua escrita sóbria e aproximando-se em
demasia no choque e tragédia, o autor pausa em excesso o nível da aparente
calma, assassinando assim a narrativa. Outro dos aspectos negativos e mal
trabalhados é a repetição dos termos: «Embrulhado (…) numa camisola de lã, num
casaco de lã, num sobretudo de lã, num cachecol de lã, num par de luvas de lã,
num gorro de lã (…).».
A estória, essa, inicialmente
prometida a algo grande em torno do 25 de Abril, rapidamente se perde numa
novela televisiva portuguesa, enfadonha, repetitiva e tristemente previsível.
Duarte entra num consultório e o médico faz-lhe as habituais perguntas sobre os
seus hábitos alimentares, se fuma, se bebe e… acaba por também lhe perguntar
pela preferência futebolística. A referência ao futebol é tanta que Ricardo
João Pedro tenta mesmo igualar a estética do mítico comentador Gabriel Alves: «Até
que o Van Basten, do bico da pequena área, a cruzamento de Mühren, remata de
primeira, e a bola, numa trajectória improvável – que, como o filho,
perspicazmente, observou, não era compatível com a velocidade do remate e das
duas uma: ou, por breves momentos, a força gravítica exercida pela Terra
aumentara, ou então o fenómeno não podia ser descrito pelas três leis
fundamentais de Newton e tinha de ser entendido à luz da mecânica quântica -,
passa por cima de Sasayev e entra na baliza.».
«Duarte não se mexeu, nem quando
o Índio soltou um breve gemido e dois esguichos de esperma se ergueram no ar. O
primeiro caiu sobre a alcatifa. O segundo, sobre o sofá. Algumas gotas caíram,
ainda, sobre as folhas que haveriam de ficar para sempre em branco.». Isto
acontece numa das vezes que Duarte leva a casa um amigo para lhe tocar
Beethoven no piano. A acção tem tragicamente mais peripécias desconexas e
estéreis como esta. O autor, licenciado em Engenharia Electrotécnica e um homem
da Matemática, dá explicações pertinentes e em tudo indispensáveis. «Por isso,
durante os onze dias, fumou, no máximo, oito cigarros. Ou talvez até nem tenha
fumado nenhum, depende. No maço, sobraram doze cigarros. Vinte menos doze:
oito. O que quer dizer que, naqueles onze dias, houve, pelo menos, três em que
não fumou um único cigarro. E tinha-os ali à mão de semear, o que não deixa de
ser relevante. Vinte menos doze: oito. As contas eram fáceis de fazer. E foram
feitas.». Certo.
Aquando da recente apresentação de Caligrafia dos Sonhos do espanhol Juan
Marsé, António Lobo Antunes desabafou que estava nas mãos dos grandes grupos
editoriais para quem só o dinheiro e as vendas contam - «Olhem à vossa volta,
se houver cinco livros bons na livraria já não é mau. Esta é a verdade». O Teu
Rosto Será o Último não é um livro mediano, muito longe disso. É francamente
péssimo em todos os aspectos.
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