sexta-feira, 10 de junho de 2011

Miguel Esteves Cardoso «O Amor É Fodido»


Na óptica de Miguel Esteves Cardoso, e como o próprio título o sugere, o amor, mais que lixado, é mesmo fodido. O título poderá soar sensacionalista e virado para a venda instantânea de exemplares de romances sobre amor, na onda de Nicholas Sparks ou Margarida Rebelo Pinto e aqueles longos bocejos que as suas escritas provocam, tal qual filme TVI num domingo à tarde. Mas não, o livro é sério, bem composto e dava um bom filme com direito a destaque no Festival de Cannes.

Também conhecido por “MEC”, Cardoso é dotado duma vasta cultura social, em especial na área da música, visto que ele viveu “in loco” a cena punk/post-punk britânica, tendo mesmo editado um livro sobre o rock, intitulado Escrítica Pop, recheado de humor e polémica; neste mesmo livro MEC ensina que para se fazer uma boa crítica a um disco, é obrigatório não o ouvir nunca. As suas ramificações polémicas e hilariantes estendem-se ao ramo político (maioritariamente) nos textos que redigiu no defunto O Independente e na participação que teve no também extinto programa da SIC, A Noite da Má Língua, famoso pela sátira cáustica.  

É certo que ele adora animar um leitor, mas não, MEC não é um escritor que gosta apenas de escrever sobre polémicas fáceis ou bacoquismos, ele sabe destilar tinta sobre assuntos sérios e quando o faz, fá-lo de forma cruel, como neste best-seller. João vê-se metido numa encruzilhada amorosa: ama Teresa, mas esse amor destrói-o, fode-o; afasta-se dela para se sentir melhor e acaba inexoravelmente melancólico e fodido; o amor, quando toma forma e passa a existir no seio de dois seres que amam, torna-se complicado, já que eles fodem-no sempre. Teresa aparentemente suicida-se e João sente-se traído pela sorte que Teresa teve, a sorte de não ter que sofrer sozinho a ausência do outro, mesmo quando na presença de outros amores e um novo casamento. João queria tê-la matado. Isso sim, seria mais justo e menos fodido para ele.

O romance apresenta-se escrito de forma sentimental, carinhosa e cruel ao longo de uma narrativa não linear, recuando e saltitando nas analepses e prolepses da vida de João, desde os tempos em que viviam juntos até ao lar de idosos onde as personagens mantêm conversas surrealistas sobre o amor e troçam da sua miséria e cogitam sobre o que seriam eles se ainda estivessem juntos. O livro foi feito para nos fazer pensar sobre o amor que realmente tomamos, na maioria da vezes, por garantido. Será que somos amados da mesma forma e intensidade pelo nosso amor? É um pouco por aqui que MEC envereda.

Sobre o romance e nas palavras do autor, “ (…) É sempre arrogante e pretensioso escrever sobre uma coisa que se escreveu. Apenas posso falar do que foi a minha vontade: escrever sobre o amor, sem traí-lo, defini-lo ou magoá-lo; deixando-o como era, antes da primeira palavra que escrevi. Seria inadmissível pôr-me aqui a cismar se consegui ou não fazer o que eu queria. Como seria dizer que não sei. Sei. Sei que não consegui. Só espero não tê-lo conseguido bem.”

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