sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

José Luís Peixoto «Abraço»


No meio de tanta felicidade, foi com tristeza que dei por encerrada a leitura de uma obra que foi apresentada por um dos autores que mais me tem marcado ao largo dos últimos anos. Numa livraria em Dezembro do ano passado, José Luís Peixoto apresentou o seu livro e fez questão de ler vários textos que me tocaram cá dentro de uma forma como poucos autores conseguem. Tal como nos outros encontros, despedimo-nos entre sorrisos e mais um livro com uma dedicatória ao Simão.

Abraço marca uma década de textos que foram escritos em várias publicações, na sua maioria no Jornal de Letras e na revista Visão, e que comportam três fases distintas da vida do autor. Em cerca de cento e setenta textos, o escritor e poeta presenteia-nos com vários abraços sobre a sua infância (seis anos), adolescência (catorze anos) e a vida adulta (trinta e seis anos), pertinentemente organizados e revistos. Estas três partes incidem, respectivamente, no seu filho mais novo, no mais velho e no próprio José Luís Peixoto.

O autor recorda, de forma auto-biográfica, os momentos mais marcantes da sua vida. A infância e adolescência em Galveias e o vasto Alentejo, as viagens à Índia, Alemanha, Japão, Estados Unidos, França, as tatuagens e os piercings marcados na sua pele, o fascínio pela literatura e pelos livros, a sua banda de grindcore Hipocrondríacos, a política, o punk que ainda existe dentro de si e, acima de tudo, o amor. Há aqui abraços muito especiais, dos quais destaco a elaboração de textos a partir de romances de Clarice Lispector, Juan Rulfo e Dostoiévski.

Um dos vários textos que mais marcou a leitura foi Impossível é não viver, do qual cito: «Se te quiserem convencer de que é impossível, diz-lhes que impossível é ficares calado, impossível é não teres voz. Temos direito a viver. Acreditamos nessa certeza com todas as forças do nosso corpo e, mais ainda, com todas as forças da nossa vontade. (…) Temos direito à esperança. Esta vida pertence-nos. (…) Nunca duvidamos de que somos maiores do que o nosso currículo, o nosso tempo não é um contrato a prazo, não há recibos verdes capazes de contabilizar aquilo que valemos.»

Abraço é um terno abraço entre a vida do autor e das vidas que quisermos ler e ser, um abraço de palavras e de vida. As mais de seiscentas páginas da obra que devorei souberam a pouco, resta-me esperar por uma parte dois e por um novo romance, pois claro.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Parlamentarisk Sodomi «De Anarkistiske An(n)aler»


Para quem pensa que os Extreme Noise Terror estão em baixo de forma, que os Napalm Death andam com demasiado death metal há muito tempo, que os Gadget estão a demorar muito para editar algo, que os Phobia nunca serão os mesmos depois de terem assinado pela Relapse Records, têm aqui algo de muito, muito interessante.

Lançado em vinil, cantado em norueguês, De Anarkistiske An(n)aler é um bom rebuçado para a tosse. Um homem apenas, um punk norueguês de Trondheim revoltadíssimo contra o sistema global capitalista que vem há décadas destruindo a humanidade teve a excelente ideia de escrever e gravar um disco directo, anti-fascista, cómico, muito old school. Aliás, tão old school que as lágrimas começarão a escorrer pela cara abaixo dos Varukers ou os Crass, certamente. São doze temas, vinte e nove minutos, de intensidade máxima na linha do cruzamento do d-beat com o grindcore puro da Suécia/Reino Unido/Japão. Introduksjonell Mistillit, Stygg, Urban Uvirkelighet e Utroduksjonelt Rævkjør são bons cartões-de-visita.

Não há muito mais para dizer sobre este disco anti-partidário/militar/ditatorial. Dificilmente vai revolucionar o mundo; contudo, é seguro que o anarquismo está em boas mãos e que o grindcore norueguês vai dando sinais de frescura.

8/10

domingo, 19 de fevereiro de 2012

ThanatoSchizO «Origami»


Os transmontanos ThanatoSchizO serão sempre uma banda de eleição do meu passado, dos dias de hoje e muito seguramente, dos anos que virão. Terão sempre um espaço especial no meu coração e na minha colecção de discos, a eles sempre me irei referir com elogios, com carinho, com boas, fantásticas recordações, com suor de tantos concertos aos quais assisti. Com um grande sorriso, enfim.

Iniciaram-se em 97 sob o nome de Thanatos, lançaram uma demo e um EP intitulado Melégnia e porque existia já uma banda com o mesmo nome, optaram pela denominação que utilizaram de 2001 a Setembro de 2011, altura em que anunciaram o cessar de actividades devido a divergências artísticas. Acompanhei-os durante mais de uma década um pouco por todo o lado, abanei os cabelos compridos, meti-me em várias mosh pits, saltei várias vezes do palco para cima do público, provei o suor salgado a escorrer-me pela cara, cantei, berrei, fiz que cantei, assisti aos show cases acústicos, escutei a mutação sonora evidenciada de disco para disco, usei t-shirts pretas com o bonito logo “TSO”, convivi com os músicos. Escrevi em várias publicações e espaços diferentes sobre os álbuns do passado, excepto sobre este que estão a ler agora; recordo-me de ter entrevistado alguns membros do grupo para o meu projecto final de graduação na universidade (mais uma vez, um grande obrigado), recordo-me de ter trocado impressões positivas com pessoas de fora de Portugal sobre a banda.

ThanatoSchizO resulta de uma mescla de duas entidades: “Thanatos” (o pulsar humano perante a morte, segundo Freud) e “SchizO” (de esquizofrenia), absorveram variadíssimas influências que vão desde sonoridades mais agrestes como o black, death, doom Metal e o lado mais exploratório e psicadélico do rock progressivo, a frescura étnica da world music e alguma electrónica. Neste disco, e como a banda teve o cuidado de o afirmar, o metal ficou de fora para dar asas à exploração desse lado experimental influenciado pela música tradicional portuguesa/folk e alguns dos seus instrumentos mais característicos, o cavaquinho e o acordeão, entre outros. Ainda no início das gravações, o antigo vocalista Eduardo Paulo decidiu abandonar o projecto, deixando assim muito mais espaço para que a voz de Patrícia Rodrigues atingisse um patamar que ela há muito procurava alcançar, obrigando também o guitarrista e mentor Guilhermino Martins a cantar as partes do ex-vocalista. 

Tal como os origamis japoneses, que consistem na arte de criar figuras a partir da dobra de papel, todos os temas do álbum sofreram uma mudança de roupagem. Uns, como o caso de RAW (agora RAWoid) – um dos temas mais brutais e assumidamente black metal do grupo - mostram-se quase irreconhecíveis, tal é a alteração que sofreram; outros, conseguiram manter a sua identidade própria, apesar das grandes mudanças. A bossa nova de Sweet Suicidal Serenade encaixa muito bem na linha inovadora e mais alegre que se faz sentir em todo o disco, o piano, o jogo de vozes e o crescendo final de The Journey’s Shiver são de uma beleza rara, assim como o xilofone, a electrónica e a atmosfera de Nightmares Within, um dos meus temas de eleição deste registo. A participação da Banda de Mateus (Grupo filarmónico de Vila Real), entre outros convidados criativos, contribuíu para que este Origami semi-acústico fosse um disco orgânico, vanguardista, adulto e muito, mas mesmo muito bonito. De facto, há tanto que foi explorado e aprimorado, que não me admiraria nada que o típico apreciador de metal ignorasse este registo, e isso seria uma pena. 

Recupero rapidamente as palavras de Guilhermino Martins sobre os anteriores registos: «Schizo Level, o disco mais extremo, o ponto de partida; InsomniousNightLift, a calma depois da tempestade. Muito introspectivo e melancólico. Turbulence, um álbum com temas poderosos e dinâmicos. Ideal para ser tocado em concerto; Zoom Code, um aprimorar do lado mais experimental da banda, por contraponto à cada vez maior importância dada às estruturas dos temas.»

Origami, na minha opinião, é uma extensão desse mesmo lado experimental de Zoom Code mais ousado, com um toque acústico, um instrumental bem trabalhado, e a voz única de Patrícia que por si só assume uma boa parte do mérito do disco. Espero que a banda um dia se junte novamente e que possa ultrapassar as divergências para gravar um novo registo. Até lá, peço a estes músicos para que se mantenham activos noutros projectos, pois a arte precisa deles. 

8.5/10

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Lídia Jorge «O Dia dos Prodígios»


Finalizado em 25 de Agosto de 1978, quatro anos após a Revolução dos Cravos e publicado em 1980, O Dia dos Prodígios assinalou o “debut” de uma carreira literária rica de Lídia Jorge. A escritora algarvia foi vencedora dos importantes prémios Jean Monet de Literatura Europeia, Escritor Europeu do Ano, Grande Prémio da Associação Portuguesa de Escritores ou Prémio Dom Dinis, entre outros.

Localizada na aldeia de Vilamaninhos, a narrativa centra-se no antes e no depois do 25 de Abril num Portugal fechado e isolado à grande mudança política que marcou a nossa História. Constituído por várias personagens que caracterizam o povo português no geral, e o da revolução no particular, O Dia dos Prodígios rege-se por um conjunto de personagens que utilizam uma linguagem composta por termos e expressões muito próprias e uma pontuação com frases muito curtas (notoriamente algarvia pela forma como Lídia Jorge as emprega) marca literária que, a meu ver, e tal como José Saramago utilizava, serve para enfatizar o poder do povo e a forma natural pausada como as pessoas comunicam entre si. 

A obra fica marcada também pela “cobra que voa” ou  “dragão voador” que, um ano antes do 25 de Abril de 1974, aparece em Vilamaninhos como metáfora da revolução que iria ocorrer. Os habitantes, incrédulos, tentam matar um animal simbólico que um ano mais tarde, juntamente com soldados da revolução, aparece na aldeia. O ambiente que se vive neste aldeia escondida do resto de Portugal, do coração lisboeta onde a grande mudança ocorre, é de desconhecimento e alguma desconfiança em relação às boas novas. A visita dos soldados vitoriosos não traz nada de significativamente novo a uma população que vive unida, mas com excepção de poucos habitantes, não se mostra particularmente entusiasmada com a promessa da liberdade e igualdade que os cravos anunciaram. 

E hoje, tantos anos passados sobre o 25 de Abril, muita da injustiça e desconhecimento social ainda predominam entre nós. Escrito com um sentimento de grande teatralidade e uma linguagem muito própria, este registo aposta em diálogos que envolvem várias personagens ao mesmo tempo e, a meu ver, apresenta uma riqueza simbólica, linguística e filóloga assinaláveis.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

EAK «Muzeak»


Ratazanas, pombos, Clint Eastwood, John Marston, rock ‘n’ roll, amor, sexo e alguns impropérios fazem parte do imaginário deste conjunto de São João da Madeira. Formados no longínquo ano de 2001, os cinco rapazes tiveram a ideia de se darem a conhecer ao underground como Extraterrestial Alternative Knowledge, adoptando depois a sigla EAK – que soa melhor, estética e foneticamente.

Na bagagem contam já com 3 Giant Steps, Musclecore, Bipolar (um split com os vila condenses Crushing Sun) e claro, este Muzeak, um dos melhores trabalhos do ano passado a nível nacional e além fronteiras. Lançado pela Major Label Industries, esta bomba musculada assenta no musclecore, termo que os membros do grupo utilizam para definir um som que agora, mais que nunca, se afastou do death metal e hardcore – não, nunca tiveram nem têm nada a ver com o deathcore; de facto, o EP com os Crushing Sun já denotava um retiro do som caótico dos Converge, Burnt by the Sun, Botch, Coalesce e outros do género nos temas White Rose e Flap’ em, ainda que a porrada sonora de Son of World evidenciasse um notório gosto pelo som mais extremo.

Muzeak apresenta uns EAK mais maduros e vincadamente mais rockeiros, distanciando-se na íntegra do hardcore dos velhos tempos, dando espaço ao rock mais arrastado com algumas influências do stoner/southern metal; o único aspecto do género popularizado pelos Black Flag é mesmo o verso «This song is for our loved ones / Our families / This came straight from our hearts / We love you» que se escuta no tema Always Remember e um ou outro apontamento mais Everytime I Die. Do You Feel Lucky abre as hostes com um baixo absolutamente monstruoso e um Paulo (vocalista) muito mais evoluído na hora de puxar pelos pulmões e expirar sentimentos, sempre bem acompanhado por duas guitarras que tocam simples e certinho, guiadas pelos pés - agora mais leves - de Ricardo (baterista). A toada lenta continua com Down the Well e Always Remember (de salientar o positivismo das letras, algo que costuma ficar sempre para segundo plano), interrompida pelos berros cuspidos de A Glass of Sand, regressando à sujidade de Black Rose (presumivelmente a sequela de White Rose).

Sunday Afternoon Freakshow Cabaret, You Pay You Play e a vernacular, vergonhosa, imoral e tão brutal Hand Solo Debut recordam o blast beating desenfreado dos saudosos tempos de Gunpowder Mill, 43, 3 Great Giant Steps. Muito, mas mesmo muito, musclecore cheiinho de belos riffs estridentes e dinâmicos. When You Came (I Was Already Gone assenta na toada mais geral e homogénea de um disco que termina de forma formidável e tão pertinente com o amor de Make Up Sex.

Ainda que, pessoalmente, prefira o motor rouco e barulhento da sonoridade antiga, as componentes rockeiras deste trabalho soam bem, num estilo original e pesado de onde há ainda a destacar o passo gigante de Paulo Santos na voz e, claro, a óptima produção.   
8.5/10

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Manuel Manzano «O Capitão das Sardinhas»


«A inquietante, sumptuosa, hilariante, espectacular, erótica, violenta, sombria, escatológica, romântica, passional, inigualável, fabulosa, épica e deslumbrante aventura do primeiro serial-killer cego da história da humanidade» é a proposta hilariante de Manuel Manzano, um autor espanhol que a própria Vanity Fair descreve da seguinte forma: «Bolaño + Stieg Larsson = Manuel Manzano.»

O rol de comentários, alfinetadas e elogios continua: «Jamais pensei que a escrita policial pudesse chegar a este nível de falta de qualidade.», Agatha Christie (às voltas no seu túmulo); «Uma fantochada.», Hannibal Lecter; «Holmes disse-me que este livro nem sequer é elementar.», Watson; «Não me ria tanto desde que tentei ler um ralador por engano.» Jorge Luis Borges; «É tudo tão mais fácil no século XXI.», Jack, o Estripador; «Ri-me como um perdido.», Mr. Ripley. É óbvio que estes testemunhos que aparecem na capa e contra-capa de O Capitão das Sardinhas são falsos – a piada sobre Borges (um mestre da escrita que ficou cego), fez-me soltar uma longa gargalhada… seguida de um frio na espinha.

A literatura nem sempre tem que ser séria e os autores também não têm a obrigação ou o dever de se debater com existencialismo, pós-modernismo, transgressão e outras temáticas que os grandes romancistas vêm utilizando ao longo da história do romance. De vez em quando, faz falta ler um livro cómico e extremamente ridículo como este policial de Manuel Manzano. É que rir faz bem à saúde, de modo que a gargalhada constante que acompanha as linhas deste registo podem aumentar a esperança de vida de quem as lê.

Gabriel Saviela, cego e diabético, acorda um dia revoltado e decide matar a sua mãe, o chiuaua, o papagaio obeso e dois vizinhos. Manuel Bun é um sonhador hipocondríaco e bastante deprimido que vê a sua relação com a esbelta Emma acabar - decide, após o não da ex-namorada, que para a reconquistar terá que alcançar algo de grandioso, como ir a Roma e atirar umas pedradas no Papa; a dupla de detectives da Polícia Boris Beria Fuensanta e Nicodemo tem a difícil tarefa de parar os assassínios sangrentos de Gabriel. Escrito para uma faixa etária que, estipulo, vai desde a juvenil à adulta, este “policial” tem os seus clichés, é certo, mas tem uma argumentação sustentada num misto de ciência e sabedoria popular, a qual imprime um ritmo sarcástico e acelerado típico dos autores de língua espanhola. A brincar que a falsa descrição da Vanity Fair o diga, há mesmo algo de Bolaño neste autor.

Recomendadíssimo para todos os amantes de literatura descontraída e que gostem de se rir alto e a bom som, aprovadíssimo pelo Zé Povinho, O Capitão das Sardinhas é mesmo um dos livros mais interessantes e cáusticos que me passaram pelas mãos no passado recente.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Yoko Ogawa «A Magia dos Números»


Nunca gostei muito de Matemática e também não andei de mãos dadas com os números, o que não me impediu de adquirir e desfrutar de um bonito romance que me recordou os teoremas, as raízes quadradas e os números primos. O que mais me chamou a atenção foi o facto de esta escritora ter sido galardoada com prémios literários importantes no Japão - como o Yomiuri ou o Akutagawa – e, claro, as palavras de Paul Auster na capa do romance: «Altamente original. Infinitamente encantador. E sempre tão comovente.».

A narrativa passa-se em 1992 e centra-se na vida de uma mulher de limpezas, no seu filho Root (de raiz quadrada) e na relação de amizade e ternura que estabelecem com um brilhante professor de matemática (o Professor) que devido a um acidente de viação em 1975 que lhe afectou severamente o cérebro, deixando-o com uma “autonomia cerebral” de oitenta minutos, findos os quais, este homem de 68 anos deixa de se lembrar das coisas. Contratada pela cunhada do Professor, a narradora consegue criar uma relação pessoal e de admiração por um verdadeiro génio dos números, vencedor de prémios importantes no Reino Unido e no Japão, que lhe transmite a ela o fascínio e a beleza dos números. Mesmo quando – aqueles que, como eu, nunca gostaram muito de Matemática - acreditamos que as equações, somas, multiplicações e outras operações que aprendemos na escola não têm utilidade, Yoko Ogawa logra explicar-nos que não é bem assim; os números estão em toda a parte e andam connosco de mãos dadas.

O livro cresce pela forma como a narradora enceta uma relação que vai para além da profissional, transgredindo as regras da empresa de limpezas, e atinge uma bonita amizade, particularmente entre o Professor e Root, o seu filho. Root, tal como o Professor, é um adepto fervoroso da equipa de basebol Hanshin Tigers, conjunto de onde fez parte Yutaka Enatsu - um dos mais famosos e talentosos jogadores da modalidade – que se mudou para os Nankai Hawks em 1975, facto que é alheio ao Professor. Root e a mãe têm a difícil missão de esconder esse facto do Professor, fazendo-o crer que Enatsu ainda faz parte da equipa e, mesmo quando vão ao estádio apoiar os Tigers ou quando ligam a rádio para ouvir o relato, este jogador está lesionado ou não sai do banco. É notável e comovedor o respeito e amizade que estas três personagens criam entre si, assim como a mudança que a vida de um génio amnésico sofre com a chegada de uma empregada doméstica e um rapaz de 10 anos com uma testa achatada que faz lembrar a raiz quadrada.

As cerca de, sensivelmente, duzentas páginas não são no entanto suficientes para tornar a narrativa ainda mais emocional, mais forte, a ponto de tornar o romance memorável. A meu ver, é esse o único ponto fraco de A Magia dos Números, de onde ressalvo a qualidade da escrita poética e serena que pauta este registo, em consonância com as grandes qualidades humanas e altruístas das personagens.