quarta-feira, 29 de junho de 2011

Monica Drake «Clown Girl»


Monica Drake é mais uma autora que conheci graças a Chuck Palahniuk, o qual elegeu Clown Girl o melhor romance de 2007 e apadrinhou este livro com uma introdução e rasgados elogios. A autora natural do estado de Michigan vive em Portland, Oregon, e escreve regularmente para o The Oregonian, The Stranger, e o Portland Mercury. É vista por Palahniuk como uma “arqui-inimiga” da literatura, no bom sentido, claro.

O romance de estreia desta autora foca-se na integridade e na descoberta dos valores intrínsecos que todos nós possuímos, valores esses que por vezes estão escondidos e nunca descobertos devida a pressões de ordem social. Na fictícia cidade de Baloneytown (“baloney” aqui não é um tipo de carne. “Idiotice” ou “falsidade” perfilam-se como os termo mais correctos) habita uma Nita, uma rapariga que vive a sua vida como um palhaço profissional com o nome artístico de “Sniffles”. Nita vive de pequenos espectáculos – biscates, na maioria – que mal servem para lhe pagar a renda da casa que partilha com Herman, um vendedor de droga. Além disso, e porque ama o seu namorado, Rex Galore, Nita junta todos os dólares para lhe financiar os estudos numa escola de palhaços em São Francisco.

Ao constatar que os espectáculos que lhe oferecem não chegam para pagar as despesas, a nossa personagem principal entra em espiral descendente, vende-se ao corporativismo e é-lhe feita uma oferta para servir de palhaço prostituta. Monica Drake baseou-se na sua experiência pessoal enquanto palhaço profissional que se vendia ao corporativismo até ao dia em que decidiu pôr um travão na perda de integridade profissional e abandonou as inaugurações de restaurantes “fast food”. Tal como Monica, Nita acredita na integridade artística da vida dos palhaços, no entanto, a sua vida piora a cada momento e é Jerrod, um polícia, que a livra de sarilhos maiores e que ao mesmo tempo serve de equilíbrio na sua vida. 

Nita tem uma capacidade única para utilizar aquela linguagem tipicamente optimista dos palhaços para descrever as amarguras que lhe vão sucedendo, uma atrás da outra, nomeadamente a perda dos pais e do bebé, o ataque cardíaco e os acidentes do ofício, recorrendo frequentemente também ao humor de Charlie Chaplin e W.C. Fields. Na derradeira tentativa de recuperar a dignidade artística, “Sniffles” desenvolve um número artístico baseado em Leonardo da Vinci e na Metamorfose de Franz Kafka; Nita quer representar a transformação de Gregor Samsa em insecto, a sua própria metáfora para o que acontece na sua vida enquanto ser humano.

Clown Girl é uma obra de elevado nível que ganha gera emoções fortes através do sorriso e humor que Nita usa para contornar as catástrofes pessoais que deixariam qualquer um de nós de rastos. O romance é, nas entrelinhas, a esperança da fuga e sobrevivência à pressão social e queda do ser humano sobre o qual Kafka brilhante e traumaticamente se debruçou.

Nota: esta crítica foi baseada na leitura da obra no seu idioma original, o inglês.

domingo, 26 de junho de 2011

«Adventureland»


O título é bem capaz de nos levar a pensar num filme de animação da Disney ou algo assim do género, a capa pode iludir-nos com mais uma comédia de indivíduos de 30 anos que se fazem passar por adolescentes de 16 que tentam desesperadamente perder a virgindade. Mas não, este filme não tem nada a ver com as duas suposições atrás referidas.

Adventureland passa-se no Verão do saudoso ano de 1987 (aquele em que os Whitesnake editaram aquela pérola com o nome homónimo) num parque de diversão onde vários jovens trabalham e desenvolvem grandes relações de amizade. Greg Mottola, que também realizou Super Baldas, arranjou um elenco de jovens actores com grande potencial e com eles conseguiu criar personagens capazes de estabelecer uma grande empatia com o espectador, não obstante termos aqui uma estrela do cinema hiper mainstream. Kristen Stewart, famosa pela sua participação na saga infantil/juvenil Twilight, dá-nos provas de que nem todo o actor de Hollywood se limita a fazer filmes em vez de Cinema – aliás, ela já tinha mostrado que era boa actriz em O Lado Selvagem.

James Brennan (Jesse Eisenberg) terminou o liceu e ambiciona passar férias na Europa para depois entrar numa prestigiada universidade de Nova Iorque. No entanto, e para grande desilusão, os seus pais não têm como financiar a viagem ou os estudos, obrigando a que o filho encontre um emprego para ajudar com as despesas que uma universidade acarreta. O desejado emprego revela-se uma segunda casa para James: Parque Adventureland; nesta zona recreativa encontram-se a trabalhar, entre outros, Em Lewin (Kristen Stewart) e Joel (Martin Starr). Ninguém gosta propriamente de trabalhar no parque, mas Adventureland tem algo que os aproxima a todos, algo que os torna numa segunda família capaz de discutir e superar as amarguras da vida. Esta segunda casa alberga grandes momentos e representações dramáticas alternadas com alguns momentos de bom humor.

O que mais sobressai em Adventureland é a escolha por não se focar nos estereótipos e modas da década de 80 e fazer disso alvo de chacota, como vemos variadíssimas vezes nos cinemas. A realização soube recriar na íntegra aquela década e todo o movimento social e musical sem perder tempo com explorações fúteis de humor balofo. O essencial deste filme recai na seriedade da nostalgia e do drama, e naqueles momentos que despertam o amor entre James e Em. Mottola apostou (e bem) em não se alongar muito na relação familiar de Em, mostrando-nos apenas o dinheiro que abunda na casa dos Lewin não compra a felicidade. 

Adventureland é um drama sensível e inteligente que se afasta dos clichés habituais do pobre cinema da actualidade (“cinema” com letra muito pequenina, por favor) quando este decide invadir e ridicularizar um espaço temporal do passado (saudoso). Senhoras e senhoras, uma ovação para o trabalho do realizador e actores, por favor.

Realização: Greg Mottola
Argumento: Greg Mottola
Produção: Miramax Films, Sidney Kimmel Entertainment, This Is That Productions

quinta-feira, 23 de junho de 2011

José Cardoso Pires «Histórias de Amor»


Editado em 2008 pelo seu amigo Nelson de Matos, Histórias de Amor foi o segundo livro que José Cardoso Pires escreveu, tendo sido publicado em Julho de 1952 pela Editorial Gleba, incluído numa colecção de livros de bolso intitulada Os Livros das Três Abelhas, colecção essa dirigida por Victor Palla e Aurélio Cruz. Em Agosto do mesmo ano, a Censura apreendeu e retirou do mercado o livro, por considerar que o livro era ofensivo e subversivo, chocando com os bons valores nacionais da época.

Vendo o seu livro confiscado e censurado a azul, José Cardoso Pires entrou em contacto com os donos do famoso lápis a fim de reaver o seu livro para o poder publicar novamente. O melhor que conseguiu foi, e com sorte, reaver o manuscrito com as devidas marcas e notas que os superiores da censura tomaram a liberdade de assinalar. Apesar de os contos terem sido reescritos e editados posteriormente em Jogos de Azar, o conto Romance com Data nunca foi reeditado. Felizmente para a literatura portuguesa, a família do José Cardoso Pires entregou o livro recuperado à Biblioteca Nacional, editado há cerca de três anos pelas Edições Nelson de Matos. 

Esta luxuosa edição contém os contos Week-end, Uma Simples Flor nos Teus Cabelos Claros, Ritual dos Pequenos Vampiros, Dom Quixote, As Velhas Viúvas e a Rapariga dos Fósforos, o já citado Romance com Data, a carta que o autor escreveu aos Serviços de Censura e algumas críticas da época de Mário Dionísio, Luís de Sousa Rebelo e Óscar Lopes. Todas as frases e expressões que o Estado Novo censurou apresentam-se aqui marcadas a negro, algumas surrealmente caricatas, tais como “lábios”, “corpo”, “catano”, “filho da mãe”, “dor de corno” ou “Estava quase ajoelhada sobre o rapaz, a apontar as marcas que o baton deixaram no peito e no travesseiro”.

De todos os contos, gostaria de destacar o rigor e imaginação de Ritual dos Pequenos Vampiros, e a escrita, o domínio da simbologia e a capacidade de avançar e recuar no tempo da narrativa sem perder o rumo dos acontecimentos de Dom Quixote, As Velhas Viúvas e a Rapariga dos Fósforos - o conto mais interessante deste livro. Em suma, Histórias de Amor é um documento essencial na obra do autor.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Blake Nelson «Destroy All Cars»


À partida, o nome Blake Nelson dificilmente lhe soará familiar, mas se lhe disser que é um escritor que conta já com dois romances adaptados ao cinema, talvez até, quem sabe, já ouviu falar dele. Girl e Paranoid Park foram levados até à sétima arte pelas mãos de Jonathan Kahn e Gus van Sannt, com distintos sucessos. O primeiro passou despercebido, ao passo que Paranoid Park atingiu o patamar de culto indie, premiado pela Independent Spirit Award, Boston Society of Film Critics e Festival de Cannes, entre outros.

Blake Nelson gosta de escrever sobre adolescentes e os seus problemas, muitas das vezes escreve para adolescentes, isto apesar de os seus romances serem lidos por adultos, não estando limitados por qualquer barreira menores de 18, ou vice-versa. Destroy All Cars é um manifesto anti-consumista, capitalista e americano que o jovem James Hoff, de 17 anos, anda a escrever. James é um típico adolescente revoltado contra o sistema e contra todos os clichés e kitschs dos outros miúdos da sua idade e os seus respectivos pais. Segundo James, todos os miúdos vivem num sonho, são mimados, idiotas e vivem de acordo com aquilo que as lojas impõem. 

Ao contrário dos seus amigos, ele gosta de usar roupas velhas e desgastadas (chega a cortar os cotovelos das camisolas), não ostentando o visual Vans/Nike que o rodeia e tanto o enerva. Todos vamos morrer pelo que andamos a fazer ao meio ambiente e a vida não tem muito sentido. O que mais revolta a nossa personagem principal são, essencialmente, os carros que tanto combustível consomem em excesso, que emitem gases nocivos e, acima de tudo, porque são conduzidos por “AMERICANOS CONSUMISTAS” que precisam de SUVs para ir aos shoppings fazer compras de artigos que nunca vão usar. No lado oposto temos Sadie, a ex-namorada optimista e dedicada às causas da mãe natureza e dos mais desfavorecidos que tanto irrita o jovem Hoff. 

Durante o livro, e intercalando com as observações críticas e jocosas, James vai fazendo trabalhos de casa para um professor sobre o que o apoquenta e que tanto niilismo lhe causa. É nestes ensaios e manifestos que o nosso jovem escreve de forma descuidada e tipicamente adolescente revoltado sobre factos que realmente dão que pensar que mais interesse despertou em mim. A forma como as ideias são expostas e a ausência de justificações para as mesmas, a juntar à relação com o professor, são talvez o ponto mais forte e divertido da obra.

Destroy All Cars ganha muito pela forma descontraída e humorística que Blake Nelson encontra para expor problemas que deviam preocupar não só aos adolescentes, todavia também aos adultos. A todos nós. A ironia e o sarcasmo presentes no romance são inteligentes e provocam boas gargalhadas e boa disposição, aquilo que muitas vezes falta a livros ditos “grandes” e “imperdíveis”.

Nota: esta crítica foi baseada na leitura da obra no seu idioma original, o inglês.

sábado, 18 de junho de 2011

José Saramago «As Pequenas Memórias»


Faz hoje, dia 18 de Junho, um ano que um dos homens do povo e um dos que mais contribuiu para o reconhecimento da literatura portuguesa além fronteiras faleceu. Foi com imensa tristeza envolta em choque que recebi a notícia de que José de Sousa tinha falecido, vítima de leucemia crónica, na ilha de Lanzarote na nossa vizinha Espanha. Foi difícil aceitar a morte de um escritor e contador de estórias que tão bons momentos me proporcionou, um indivíduo cujas ideias políticas sempre geraram mais inimigos e ataques que propriamente consenso.

Neste manuscrito pequenino autobiográfico, José explica aspectos caricatos da sua vida, a começar pelo seu nascimento e nome. De facto, José de Sousa passou a chamar-se José de Sousa Saramago porque no Registo Civil decidiram acrescentar o nome pelo qual a família era conhecida, neste caso “Saramago”. Não foi, no entanto, apenas com o seu nome que Saramago teve peripécias: a sua data de nascimento também foi alterada. Oficialmente, referimo-nos a José Saramago como uma pessoa que nasceu no dia 18 de Junho de 1922, porém, nasceu mesmo dois dias antes, no dia 16 na pequena aldeia da Azinhaga, no Ribatejo; mas, e para evitar sofrer uma penalização pela não declaração do nascimento do bebé dentro do seu devido prazo, os pais José de Sousa Maria da Piedade recorreram à alteração da data.

Oriundo de uma família de camponeses pobres, Saramago cedo se mudou para Lisboa para estudar e trabalhar numa época difícil, marcada pelas grandes guerras. É precisamente a narração da infância, a forma como sentia enorme aproximação à Azinhaga e o muito carinho pelos seus avós e seus progenitores que marcam especialmente esta autobiografia. Como seria de esperar, o livro afasta-se totalmente da carga política e crítica social dos seus romances; as cento e quarenta e nove páginas d’As Pequenas Memórias são um documento para melhor conhecermos aquele que foi, até hoje, o único vencedor do Prémio Nobel da Literatura. O romancista que Sousa Lara impediu de concorrer ao Prémio Literário Europeu por não representar os valores morais e religiosos dos portugueses; aquele por quem hoje se come bolo-rei com fartura para os lados de Belém.

José Saramago deixou-nos e a vida segue, isso é certo. Não devemos ignorar a sua obra, o contributo para ao desenvolvimento cultural e literário português e a criação da Frente Nacional para a Defesa da Cultura. Obrigado, amigo José de Sousa “Saramago”.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

«Exterminador Implacável - A Salvação»


Gostei e aceitei da Ascensão das Máquinas. Apesar de achar que a saga estava muito bem entregue às duas obras-primas de James Cameron, o terceiro filme ainda fez algum sentido pois Arnold Schwarzenegger estava lá, era o exterminador bonzinho e tinha sido enviado para proteger não só John Connor, como também a sua futura esposa, Katherine Brewster. Foi muito por aqui, pela exploração da relação entre John e Katherine, que o filme me agradou, não obstante alguma falta de caracterização dos mesmos ou a falta de impacto e carisma da T-X. O dia do julgamento final era inevitável e em 1997 tinha sido apenas adiado. Por outro lado, e mantendo-nos fiéis à narrativa de Exterminador Implacável 2: O Dia do Julgamento, os Connors destruíram a Cyberdine e impediram que a Skynet tomasse controlo sobre a raça humana.

Como em tudo na vida, temos que aceitar que tudo tem um fim e que não vale a pena tentar encarnar no papel de deuses. Muitos tentaram e falharam e os exemplos são mais que muitos: Hellraiser, Sexta-feira 13, Halloween, Pesadelo em Elm Street, Indiana Jones, A Guerra das Estrelas, etc, etc, etc; pior que isso, só mesmo quando pegam nas grandes sagas de vídeo jogos ou desenhos animados e adaptam ao cinema. Quem não chorou o seu dinheiro, quem não entrou em coma com o dilapidar do bom nome de Resident Evil ou de Transformers? Para denegrir ainda mais a imagem e me enfiarem num hospital em estado de coma, os zombies e Optimus Prime vão ter mais sequelas.

A questão essencial deste texto prende-se com a falta de necessidade de explorar mais a franchise das máquinas. Se gostar de grandes explosões, muitos tiros, actores que passam o dia no ginásio e actrizes que fazem a vida nas passerelles e não se preocupar com o elo de ligação ao primeiro e segundo filme, este é pode eventualmente ostentar o nome que usa: Salvação. Por outro lado, quem segue religiosamente uma das maiores sagas sci-fi de todos os tempos e espera respeito e dedicação por parte de quem lhe dá mais vida, considerará isto um verdadeiro enterro. O facto de terem entregue Salvation a um realizador que até hoje fez carreira na produção de séries para adolescentes (O.C. - Na Terra Dos Ricos, Supernatural) espelha bem a pobreza que assola a vida de John Connor e a Resistência. McG - Joseph McGinty Nichol – pega na premissa do holocausto do futuro que Cameron tinha idealizado há 27 anos e decide criar um campo de batalha para o Homem e para as Máquinas misturado com a exploração dos sentimentos de Marcus Wright, o novo Exterminador (o que está do lado dos humanos).

De facto, e por mais estranho que possa parecer, o filme gira em torno de Marcus Wright em vez de John e Katherine Connor, aqueles que iriam comandar a luta contra a Skynet. Christian Bale, o fantástico actor que interpreta John, incentiva os seus bravos soldados com uns berros aqui e ali atira um “I’ll be back”; Katherine… bem quase não se dá pela sua presença. Marcus Wright (Sam Worthington) tem os músculos de Schwarzenegger mas não cria o mínimo de empatia com o público. Porquê? Porque as suas acções são previsíveis, porque McG e a sua equipa foram incapazes de trabalhar o seu carisma e diálogos e, por último, Worthington é um mau actor.

O desenvolvimento da estória é mau, muito mau, assim como o das personagens que parecem feitas de plástico, desprovidas de talento (que tanto tentam disfarçar com os seus músculos e curvas) e que parecem representar como um jornalista a ler o teleponto. Não existe aqui uma Linda Hamilton, um Schwarzenegger, um Michael Biehn ou um Edward Furlong. Nada, apenas frases desconexas, explosões, marketing e o nome da saga. Nem mesmo aquele breve momento onde se ouve Rooster dos Alice in Chains consegue salvar esta parca película direccionada a adolescentes.

Título original: Terminator: Salvation 
Realização: McG
Argumento: John D. Brancato, Michael Ferris
Produção: Halcyon Company, Wonderland Sound and Vision

terça-feira, 14 de junho de 2011

Nirvana «Live at Reading»


Mais famosos que as All-Star e a flanela juntas, Kurt Cobain, Krist Noveseli e Dave Grohl escreveram uma página de ouro na história do rock ‘n’ roll norte-americano com apenas três álbuns de estúdio. Nevermind, o disco que destronou Michael Jackson dos “charts” norte-americanos, foi o grande responsável pela explosão da música grunge, estilo caracterizado pelas guitarras fortemente distorcidas de um Paranoid ou Loose Nut, batida punk rock da cena hardcore punk, psicadélica Confusion Is Sex e refrões roubados aos Beatles – no bom sentido. 

Em 1992, ainda a compor In Utero, a banda deu um grande concerto no Reading Festival, Reino Unido, que durante muitos anos circulou entre os consumidores de bootlegs da banda. Felizmente para eles e para mim, o disco foi remasterizado e editado em 2009 juntamente com a actuação em DVD. O registo capta as canções mais populares da banda que passavam e passam ainda hoje nas rádios e TVs (Lithium, Smells Like Teen Spirit, Come As You Are), sem comprometer os momentos mais intimistas de All Apologies e Dumb ou a crispidez de Territorial Pissings, Aneurysm e Tourette’s. A selecção do repertório, para o ouvinte casual que conduz enquanto ouve a Rádio Comercial e imita Grohl através de batucadas com os dedos no volante, vai de certeza afectar-lhe a percepção daquilo que a banda foi e ainda é. Como bónus, as raras interpretações de D-7 e The Money Will Roll Right In também integraram o set list da actuação.

A nível geral, o som do concerto exibe-se em bom plano, o público não se sobrepõe ao trio e o som do baixo – de todos os instrumentos – está muito bem conseguido. Mesmo assim, é notório que a reutilização do som dos bootlegs não se pode equiparar à qualidade de um concerto que é gravado e publicado um ou dois anos mais tarde. Live at Reading - e os seus vinte e quatro temas - é um disco essencial na discografia dos fãs da banda, um disco que me faz recuar no tempo quase duas décadas e que causa severos momentos de nostalgia.

9/10

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Miguel Esteves Cardoso «O Amor É Fodido»


Na óptica de Miguel Esteves Cardoso, e como o próprio título o sugere, o amor, mais que lixado, é mesmo fodido. O título poderá soar sensacionalista e virado para a venda instantânea de exemplares de romances sobre amor, na onda de Nicholas Sparks ou Margarida Rebelo Pinto e aqueles longos bocejos que as suas escritas provocam, tal qual filme TVI num domingo à tarde. Mas não, o livro é sério, bem composto e dava um bom filme com direito a destaque no Festival de Cannes.

Também conhecido por “MEC”, Cardoso é dotado duma vasta cultura social, em especial na área da música, visto que ele viveu “in loco” a cena punk/post-punk britânica, tendo mesmo editado um livro sobre o rock, intitulado Escrítica Pop, recheado de humor e polémica; neste mesmo livro MEC ensina que para se fazer uma boa crítica a um disco, é obrigatório não o ouvir nunca. As suas ramificações polémicas e hilariantes estendem-se ao ramo político (maioritariamente) nos textos que redigiu no defunto O Independente e na participação que teve no também extinto programa da SIC, A Noite da Má Língua, famoso pela sátira cáustica.  

É certo que ele adora animar um leitor, mas não, MEC não é um escritor que gosta apenas de escrever sobre polémicas fáceis ou bacoquismos, ele sabe destilar tinta sobre assuntos sérios e quando o faz, fá-lo de forma cruel, como neste best-seller. João vê-se metido numa encruzilhada amorosa: ama Teresa, mas esse amor destrói-o, fode-o; afasta-se dela para se sentir melhor e acaba inexoravelmente melancólico e fodido; o amor, quando toma forma e passa a existir no seio de dois seres que amam, torna-se complicado, já que eles fodem-no sempre. Teresa aparentemente suicida-se e João sente-se traído pela sorte que Teresa teve, a sorte de não ter que sofrer sozinho a ausência do outro, mesmo quando na presença de outros amores e um novo casamento. João queria tê-la matado. Isso sim, seria mais justo e menos fodido para ele.

O romance apresenta-se escrito de forma sentimental, carinhosa e cruel ao longo de uma narrativa não linear, recuando e saltitando nas analepses e prolepses da vida de João, desde os tempos em que viviam juntos até ao lar de idosos onde as personagens mantêm conversas surrealistas sobre o amor e troçam da sua miséria e cogitam sobre o que seriam eles se ainda estivessem juntos. O livro foi feito para nos fazer pensar sobre o amor que realmente tomamos, na maioria da vezes, por garantido. Será que somos amados da mesma forma e intensidade pelo nosso amor? É um pouco por aqui que MEC envereda.

Sobre o romance e nas palavras do autor, “ (…) É sempre arrogante e pretensioso escrever sobre uma coisa que se escreveu. Apenas posso falar do que foi a minha vontade: escrever sobre o amor, sem traí-lo, defini-lo ou magoá-lo; deixando-o como era, antes da primeira palavra que escrevi. Seria inadmissível pôr-me aqui a cismar se consegui ou não fazer o que eu queria. Como seria dizer que não sei. Sei. Sei que não consegui. Só espero não tê-lo conseguido bem.”

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Alice in Chains «Black Gives Way to Blue»


Em 2002 o mundo do rock ficou empobrecido com a partida de Layne Staley, um dos vocalistas com um dos timbres vocais mais originais e emblemáticos da chamada geração grunge rock. Os problemas com as drogas levaram a melhor sobre o malogrado músico que deixou o mundo aos 34 anos, vítima de overdose. O legado de Dirt, Facelift e Alice in Chains era demasiado grande para Jerry Cantrell acabar com a banda.

Os vocalistas que, à partida, teriam melhor perfil para pegarem no microfone seriam Chris Cornell e Scott Weiland, pela sua experiência e pela forma como cantam, no entanto, a escolha viria a recair em William DuVall, músico praticamente desconhecido do meio mainstream. DuVall conta com um passado muito ligado à cena hardcore punk da década de 80 e mais recentemente com os Comes With the Fall, banda com quem Jerry Cantrell tocou nalguns concertos, acabando por pedir a DuVall para preencher a vaga de Staley.

Os primeiros concertos da nova formação começaram em 2006, nos finais de 2008 entraram em estúdio e um ano mais tarde Black Gives Way to Blue viu a luz do dia. A linha de composição do quarto registo da banda obedece aos alicerces do passado, apostando fortemente em tons melancólicos, arrastados riffs de guitarra dos blues, pujantes riffs do hard rock e uma – ainda mais – pronunciada inspiração sulista. A voz de DuVall é tão boa que, durante os cinquenta e quatro minutos de duração do disco quase faz esquecer Staley; de facto, este vocalista foi a melhor coisa que poderia ter acontecido à banda e mostra-se bem mais em forma que os recentes projectos falhados de Weiland ou Cornell.

Aqueles temas mais longos e memoráveis que a banda gravou há quase vinte anos - Rooster, Love, Hate, Love, Sludge Factory – estão bem presentes em Acid Bubble e A Looking in View, temas que fazem a união entre Alice in Chains e Jerry Cantrell a solo. Porém, há que destacar obviamente as orelhudas Last Secrets Known e Check My Brain (especialmente esta), não esquecendo as calmas e belas baladas Your Decision e Black Gives Way to Blue. A faixa homónima, a título de curiosidade, conta com a colaboração do piano de, nada menos, nada mais que Elton John.

Não suplanta o supra-sumo da banda Dirt, nem vai fazer esquecer a memória da Staley, mas é um regresso em força e um disco com grandes malhas de rock. Como não foge àquilo que é a essência dos Alice in Chains, dificilmente satisfará o público que nunca gostou deles. Os que seguem a banda religiosamente têm motivos de sobra para esboçar grandes sorrisos.

8/10

domingo, 5 de junho de 2011

«Suspiria»


Dario Argento é um dos mais conhecidos cineastas da geração italiana dos filmes de terror/fantástico, também conhecidos por “gialli”, caracterizados pela mistura do erótico com o misterioso, terror psicológico e “gore”, também. Para além deste Suspiria, Dario Argento é também conhecido por ter concebido Terror na Ópera, Inferno, Tenebre e por ter escrito parte do clássico western Aconteceu no Oeste.

O filme retrata a vinda de uma aluna norte-americana, Suzy Bannion (Jessica Harper), para uma academia de dança de Friburgo, Alemanha. Esta misteriosa academia tornar-se-á num palco de estranhos assassinatos que não se poderão socorrer na lógica, mas sim no sobrenatural, no misterioso pacto de bruxas liderado por Madame Blanc (Joan Bennett) e por Miss Tanner (Alida Valli). Não são as mortes das alunas nem do pianista que dão propriamente alma a esta película, mas sim o som e a técnica apurada de Argento na idealização e captação do muito vermelho da escuridão da mansão.

A estória, como se pode verificar, é do mais banal que existe, os sons e os cenários, esses, são do mais elegante e assustador que vi num filme, conferindo-lhe intimidação, arrepios e muito suspense. Os Goblins (ou The Goblins), banda italiana que se caracteriza por misturar o rock progressivo com batidas sinfónicas, assistem em todo o seu grande esplendor o ambiente de contemplação que a mansão e as mortes oferecem ao espectador, um pouco à semelhança daquele ambiente psicótico de Shining, lançado três anos mais tarde. A mansão apresenta-se numa decoração que incide no vermelho, como já mencionado atrás, numa arquitectura deco/surrealista com escadarias, quartos, espelhos e restantes compartimentos que dão um toque operático ao cenário, remetendo automaticamente para o misterioso e o fantástico. Os diálogos são medianos e as cenas filmadas no exterior da academia são meramente decorativas, com excepção da chegada de Suzy ao aeroporto e à mansão sob uma forte chuva e ventania.

Suspiria é uma obra de grande portento visual e sonoro e um pilar do cinema italiano e do terror dos anos 70, perfilando-se ainda hoje como uma referência do cinema. A sua visualização só faz sentido se a sala estiver escura e se “home theater” proporcionar som dolby surround for de grande qualidade.

Realização: Dario Argento
Argumento: Dario Argento, Daria Nicolodi
Produção: Seda Spettacoli

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Morbid Angel «Illud Divinum Insanus»


A espera pelo sucessor de Heresy, de 2003, foi longa, árdua e sempre envolta em vários rumores sobre a direcção musical que a banda iria tomar. Pete Sandoval, um dos mais talentosos bateristas da história do metal, passou os últimos anos em constante agonia devido a problemas nas costas, até que teve mesmo que ser submetido a cirurgia para poder regressar em força. Infelizmente para ele, não pôde gravar o álbum e neste momento as dores devem ter, certamente, aumentado de intensidade.

Durante várias semanas que antecederam o lançamento do disco, várias foram as especulações à volta das entrevistas que a banda vinha dando, onde dava ênfase a uma mudança na composição de várias faixas e à conjugação de vários elementos de música electrónica com o death metal extremo de Altars of Madness. No dia 16 de Maio o single Nevermore foi o mp3 com mais downloads efectuados na Amazon.com, levando a imprensa a tecer vários elogios àquilo que Illud Divinum Insanus seria, ainda que apreensiva em relação aos samples das restantes faixas que viriam a encorpar o nono registo de estúdio das lendas da Flórida.

Infelizmente para todos os fás da banda em particular e do death metal no geral, este álbum é uma desilusão enorme e um passo atrás maior que os do Bigfoot e poderá custar a Trey, David e Pete uma considerável animosidade entre os fiéis seguidores do trio. Quando se é visto como um dos pilares da música extrema e elevado quase sempre à qualidade de Deus, por vezes as emoções podem entrar em conflito e as divindades podem-se transformar em meros mortais. E é precisamente isso que está já a acontecer com a banda. Quando Ícaro quis com as suas asas voar muito alto, o seu pai, Dédalo, adverti-o para o perigo que o sol representava.

Finda a era Tucker, que partiu mas deixou uma pérola chamada Gateways to Annihilation e dois outros registos de bom nível, foi a vez de David Vincent regressar, recorrendo aos serviços de Tim Yeung (Council of the Fallen, Vital Remains, Divine Heresy, etc) e Thor Anders Myhren (Zyklon, Myrkskog). A priori, este quarteto apresentaria garantias de sucesso, devido às já muitas provas de talento que todos já apresentaram. Mas então o que falhou neste registo? Para começar, há uma notória falta de linha direcção, de arrumo de ideias e identidade; depois, o tecnicismo característico do grupo evaporou-se; em terceiro lugar, quando se mistura música industrial e de dança com heavy metal tem que se analisar primeiro essa viabilidade (francamente ausente) e o tipo de audiência que vai ouvir essa mistura (idem). Por último, a produção é demasiado fraca.

Em boa verdade, Illud Divinum Insanus é insano porque contém apenas três malhas típicas de death metal que seria de esperar da banda: a já citada Nevermore, Beauty Meets Beast e Existo Vulgoré. O resto do disco gira à volta de batidas e samples de EBM, electro e industrial que podemos encontrar na discografia de bandas como Rammstein, Static-X, Marilyn Manson ou Combichrist. Para piorar as coisas, a duração destas faixas está longe de ser curta: Too Extreme! (primeiro tema do registo, se excluirmos a intro Omni Potens) chega aos seis minutos, Destructos Vs. the Earth / Attack e Radikult ultrapassam os sete penosos minutos. The Berzerker e Fear Factory sabem mesclar a costela electrónica com o metal bem pesado porque, verdade seja dita, sabem o que querem e têm a tal linha de pensamento e orientação que faltou a Morbid Angel neste disco.

O resultado deste perigoso cocktail é demasiado desastroso para ser verdade e custa a acreditar que Myhren e Yeung tenham aceitado gravar isto e manchar as suas carreiras, um pouco à semelhança de Jason Newsted nos Metallica. Mas já assistimos a este filme recentemente com os Cryptopsy: banda com carreira mais que sólida que decide apostar numa direcção musicail demasiado infeliz. Illud Divinum Insanus não chega ao patamar de St. Anger do death metal porque este último é penoso de princípio ao fim, sem uma única faixa que o safe, ao passo que os Morbid Angel gravaram três aceitáveis.

3/10

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Will Christopher Baer «Kiss Me, Judas»


Kiss Me, Judas, publicado em 1998, é o primeiro romance da saga de Phineas Poe, a personagem principal do mundo noir de Will Christipher Baer, um autor da nova geração de literatura transgressiva e modernista americana. Daqui destacam-se Chuck Palahniuk, Craig Clevenger, Douglas Coupland, Bret Easton Ellis, entre outros.

Na gelada cidade de Denver, Phineas Poe acorda numa banheira cheia de gelo, sem um rim e com um bilhete que diz o seguinte “se queres sobreviver, liga o 112”. Na noite anterior Poe tinha pago duzentos dólares a Jude para fazer sexo com ela e em vez disso, perdeu um dos seus órgãos e há a possibilidade de ter um saco de heroína no lugar da ferida. Poe, um ex-polícia que tinha recentemente perdido a sua mulher Lucy e sido expulso da Polícia, decide ir à procura de Jude, mulher perigosa por quem estranhamente se apaixona e em quem confia.

O rim de Poe foi escolhido a dedo para ser cirurgicamente removido e posteriormente ser entregue a uma pessoa que precisa urgentemente dele e que contratou Jude. Para além disto, temos uma personagem que precisa regularmente de injecções de morfina para aliviar as dores, acabando por sonhar e delirar sobre a morte da sua esposa ao longo de todo o livro: ter-se-á suicidado ou terá sido ele mesmo a matá-la, são estas as dúvidas de Poe.

A escrita de Baer é fluida e propositadamente incoerente em várias situações, de modo a confundir o leitor e criar suspense em torno das acções da nossa personagem principal e das que o rodeiam. Há uma cortina de nevoeiro que separa os intervenientes deste romance construída para criar um ambiente de cinema/literatura noir, fazendo com o que agora é verdade, daqui a um momento possa ser mentira. As alucinações e a escuridão que reveste o coração de Poe muito contribuem para a verosimilhança que cada cena, cada capítulo comporta.

No decurso da estória nota-se uma certa inspiração nos puzzles e no surrealismo psicológico, erótico e ambíguo do mundo de Bret Easton Ellis, J. G. Ballard, David Lynch e David Cronenberg. Will Christpher Baer é um autor que vale a pena explorar. 

Nota: esta crítica foi baseada na leitura da obra no seu idioma original, o inglês.

The Sea and Cake «The Moonlight Butterfly»


The Sea and Cake são um quarteto norte-americano formado no início dos anos 90 que muito tem contribuído para a evolução da música independente nos últimos tempos. Misturam, com competência, influências musicais vincadamente distintas que vão desde a psicadélica, o rock progressivo, a electronica, o jazz/bossa nova e, claro, o indie rock.

Em vinte anos de carreira, a banda tem cimentado o seu nome como referência para o género, fruto de uma discografia de onde destaco Biz, Frown, Everybody e Oui, em especial este último, pois é apontado várias vezes como o registo mais bem conseguido da banda. The Moonlight Butterfly não segue tão linearmente a linha de Everybody e Car Alarm, embora todo o núcleo musical da banda seja facilmente identificável na primeira faixa Covers.  

O som que se faz ouvir em Covers e Lyric demonstra que o nível de exploração musical continua em alta e, ao mesmo tempo, que o álbum aposta numa toada mais calma, tecnicamente (mais) elaborado e com especial atenção nos pequenos detalhes e na maturação que a experiência a solo de Sam Prekop, o vocalista/guitarrista, lhe tem oferecido em termos de enriquecimento da criatividade musical. 

As guitarras de Archer Prewitt e Prekop (fundadores da banda) dançam em sintonia, elaborando rápidas transições de ritmo, pautadas pelo baixo de Eric Claridge e a determinação e dinâmica de John McEntire (o multi-instrumentalista de Tortoise) na percussão. O sintetizador ouve-se ao longo de todo o disco, maioritariamente camuflado entre as guitarras, entrando totalmente em cena no momento da viagem cinematográfica do kraut/electronica que The Moonlight Butterfly, tema título do disco, proporciona.

The Sea and Cake, correntemente ligados contratualmente à editora Thrill Jockey (ADULT., Tortoise, High Places), esmeraram-se e compuseram mais um agradável disco de exploração e experimentação, como era de prever. Esperam-se turnés europeias para este ano, numa altura em que a banda já prepara o sucessor deste disco.

8.5/10