segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Random House e Penguin fundem-se


Os grupos Bertelsmann e a Pearson anunciaram recentemente fusão da Random House com a Penguin. A Penguin Random House visa fazer frente à Amazon, Google e Apple no sector dos livros digitais, um mercado em crescimento que tem vindo a ser explorado pelos gigantes norte-americanos. 

Este novo grupo terá cerca de 25% de controlo do actual mercado de livros e uma lista títulos de onde se destacam os best-sellers Fifty Shades of Grey e um enorme catálogo de romances clássicos da literatura, entre outros. Em termos percentuais, a Bertelsmann (Random House) controlará 53%, ao passo que os restantes 47% serão da Pearson (Penguin).

Thomas Rabe, director executivo da Bertelsmann, explicou que é sua intenção «continuar a investir no potencial criativo do negócio».

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Ismail Kadaré «Abril Despedaçado»


Abril Despedaçado é um romance daqueles livros invulgarmente deslocados da esfera temporal e das habituais temáticas abordadas no romance contemporâneo. Ismail Kadaré é um escritor albanês que apesar de viver em França, mantém-se ligado ao seu país natal, abordando assim várias questões relacionadas com a terra que o viu crescer. 

Esta obra tem por cenário a região dos Mirdites, na Albânia, onde impera a lei sagrada do Kanun há vários séculos; este Kanun é um conjunto de regras sócio-morais pelas quais a população se rege, incluindo matar alguém para recuperar a honra e o respeito da comunidade. Assim, Gjorg tem que matar o assassino do seu irmão para repor a justiça e esperar que a família do assassino – uma vez morto, passa obviamente a vítima – o mate. Este ciclo de vingança entre as duas famílias dura há décadas e vai continuar desta forma até que alguém decida quebrar as regras sagradas. Mas quem o fará? Estas leis existem há tanto tempo e são tão importantes que as próprias autoridades e governo albanês se demarcam das mesmas. Puro sangue por sangue bárbaro.

Paralelamente, estes rituais são observados e analisados por Bessian Vorpsi, um escritor, e a sua jovem esposa Diana. O casal desloca-se até ao coração do Kanun para compreender melhor o modo como a população se comporta em época de vingança, mas é Diana quem tem mais dificuldades em assimilar estes estranhos costumes; Bessian, que já conhecia um pouco da região e do Kanun, consegue explicar algumas coisas à sua esposa, mas até ele se deixa maravilhar e hipnotizar pela invulgaridade das cerimónias que decorrem naquela região isolada.

Abril Despedaçado apresenta-se escrito de formas simples e sugere a contemplação das descrições que o autor pinta, remetendo o leitor para o fascínio do Kanun e os costumes do seu país natal. No entanto, o livro revelou-se-me incrivelmente aborrecido e repetitivo, muito devido à tensão e aparente serenidade que reina nos Mirdites; o romance desmotiva tanto que fiquei sem interesse em explorar a extensa obra de Kadaré.

domingo, 21 de outubro de 2012

Julian Barnes «The Sense of an Ending»



A importância que tendemos a dar a prémios conceituados tem vindo a decrescer, creio eu. Ellen Johnson-Sirleaf venceu em 2011 o Prémio Nobel da Paz e este ano defendeu, imagine-se, uma lei anti-homossexual na Libéria, país que governa, recentemente a União Europeia venceu o mesmo prémio na edição deste ano – mas sobre isto, não me pronuncio porque no Contracultura Aplicada não se aborda a política -, Harold Pinter, que dedicou a sua vida ao teatro e não necessariamente ao romance, venceu o Nobel da Literatura em 2005. Em 2011 foi Julian Barnes a vencer o prestigiado Man Booker Prize com este The Sense of an Ending (O Sentido do Fim, Quetzal).

Antes de mais, convém dizer que não há nada de errado com Julian Barnes ou com esta obra de 150 páginas. A escrita é razoável e a temática incide sobre as relações entre namorados e amigos, até onde estas podem ditar a felicidade ou infelicidade, com um toque subliminar filosófico a adornar o romance. Por outro lado, convém igualmente informar que a obra não é - como os críticos apregoaram - fantástica, sublime, ou muito menos um romance de «frases perfeitas, por vezes a raiar o sublime», como destacou José Mário Silva.

Julian Barnes explora a vida de Tony Webster, um homem de 60 anos a passar por uma crise de meia-idade existencial que relembra a sua namorada e amigos do passado. O narrador movimenta-se entre a actualidade, a era digital do e-mail e iPhone, e os anos 60, onde se escreviam cartas e a vida decorria de forma mais descontraída. Nos tempos de universitário, Tony envolveu-se com Veronica, uma bonita rapariga londrina que o viria a trocar por Adrian, um jovem inteligente profundamente envolvido na Filosofia e História. Paralelamente, Tony e Veronica têm um par de amigos que aparecem no início do romance, mas que rapidamente desaparecem da narrativa sem grande explicação – e começa aqui um dos problemas do livro. Com o suicídio de Adrian e a forma misteriosa como este deixa o seu diário a Tony, a estória da obra parece fechar-se. A partir daqui, Tony tenta descobrir o porquê do suicídio, ao mesmo tempo que se aproxima de Veronica.

Para além de ser excessivamente curto e repetitivo, The Sense of an Ending é mediano em vários aspectos, nomeadamente na acção e espaço, onde pouco ou nada acontece; a seu favor tem o “food for thought” da temática da solidão que Barnes imprime na escrita. Como dizia inicialmente, e para nosso próprio bem, é bom que ignoremos por completo os grandes galardões e prémios literários, pois fazem parte cada vez mais de uma indústria cosmética.
 
 Nota: esta crítica foi baseada na leitura da obra no seu idioma original, o inglês.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

«Doidos por Mary»



Ted (Ben Stiller) é um miúdo inseguro de 16 anos que se apaixona por Mary (Cameron Diaz), a rapariga mais bonita de Rhode Island. Ted é tudo menos um rapaz bem sucedido na vida, até que um dia este se mete numa luta, defende Warren, o irmão de Mary, e para espanto do próprio Ted, Mary sabia o seu nome, algo que nem os seus melhores amigos faziam a mais pequena ideia. A situação fica mais caricata ainda quando Mary convida Ted para o baile de finalistas e o miúdo apaixonado com um enorme aparelho nos dentes consegue a proeza de ficar com os genitais presos na braguilha. Depois de ir para o hospital com uma hemorragia grave, Ted fica sem notícias de Mary.

Treze anos depois, Ted contrata o detective Patrick Healy (Matt Dillon) para descobrir o paradeiro de Mary, que mudou o último nome devido a problemas com um ex-namorado obsessivo. Ficamos a saber que Mary é uma cirurgiã, solteira e amante de golfe que se mudou para Florida, que continua solteira e tem muitos, muitos pretendentes obcecados em conquistarem o seu amor. Doidos por Mary é uma comédia dos irmãos Farrelly, os autores de Doidos à Solta e Eu, Ela e o Outro, e promete ser um filme que vai fazê-lo rir de princípio ao fim.

Ao contrário daquilo que muitos poderão pensar, esta película não tem nada a ver com as comédias românticas de humor barato e previsível que têm inundado o mercado há já alguns anos – algo em que o próprio Ben Stiller tem participado inclusive -; Doidos por Mary é espontâneo e imprevisível quase de princípio ao fim, à excepção de que se adivinha um final feliz entre Ted e Mary, obviamente. Aqui, todas as personagens têm segredos escondidos que se revelam hilariantes e algo em comum: todos estão completamente apanhados por Mary. Apesar de Ted tudo fazer para a conquistar, este terá que ter muito cuidado com os seus próprios amigos e com Healy.

Doidos por Mary continua a ser um dos meus filmes preferidos e uma das grandes comédias que tenho cá por casa. É hilariante, descontraído, imprevisível, tem o selo Farrelly Brothers e mantém-se actual passados catorze anos.

Título original: There's Something about Mary

Realização: Bobby Farrelly, Peter Farrelly
Argumento: Ed Decter, John J. Strauss, Peter Farrelly, Bobby Farrelly.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Converge «All We Love We Leave Behind»



Não me recordo de alguma vez uma canção me cativar tanto como com os últimos dois discos daquela que, para mim, é a banda mais interessante, intensa e original da actualidade – já o é há muitos anos. Dark Horse fez por mim o mesmo que Aimless Arrow fez antes do lançamento deste disco: aquela sensação horrível de querer ouvir o produto final por inteiro e ter de esperar umas semanas até o poder fazer. No entanto, e como diz o velho ditado, quem espera sempre alcança: All We Love We Leave Behind é o grande disco deste 2012 e o mais extremo desde No Heroes (2006).

Os Converge são aquela banda que se manteve fiel aos princípios éticos do hardcore punk dos anos 80. Tudo é gravado por eles mesmos – por Kurt Ballou, o guitarrista -, a atitude é 100% “do it yourself”, dispensam “triggers” e produções artificiais, gravam música para eles, claro, mas sabem que os fãs vão aceitar tudo o que venha do processo criativo… ou talvez não, não interessa, e passam o ano todo em tour, também (tal como os Black Flag faziam. All We Love We Leave Behind continua, como era esperado, com a habitual produção crua e rude que caracteriza o catálogo da banda, sem qualquer tipo de espaço para embelezamento cosmético.

Jane Doe (2001) é visto como um dos grandes discos do mathcore técnico – salve-se a redundância – e foi uma das grandes referências do hardcore e metal da primeira década deste milénio. Algo me diz no entanto que este novo disco será encarado não como uma extensão de Jane Doe, mas sim como mais um pico dentro do processo criativo e uma nova página do livro deste conjunto de Salem, Massachusetts. Nesta nova etapa,  contrariamente ao anterior disco Axe to Fall, que contou com presença de membros de Neurosis e outras grandes bandas, não há colaboração de músicos, o que torna possível tocar este disco ao vivo na íntegra.

O “melting pot” que Jacob Bannon, Kurt Ballou, Nate Newman e Ben Koller têm sustentado ao largo de mais de 20 anos – formaram-se em 1990 – segue fiel à sua receita e funde diferentes géneros e distorções instrumentais/harmonias; de facto, se observarmos com atenção a fusão entre metal e hardcore e grupos como Rise and Fall, Amenra, Oathbreaker, Trap Them, etc, é mais que notória a grande influência convergiana. Há aqui D-beat, Crust/Grindcore (Tender Abuse, On My Shield, Sparrow’s Fall), punk rock puro (Vicious Muse), e uma grande dose de originalidade: Coral Blue, Precipice, All We Love We Leave Behind, Shame in the Way, etc. Kurt Ballou estava em dúvida em relação a incluir Coral Blue neste disco porque receava que o mesmo não se enquadrasse no estilo do álbum, mas a verdade é que este é o tema mais bonito e orelhudo destes quinze temas (dezassete na versão deluxe) e, pessoalmente, umas das canções mais fortes que escreveram nos últimos três álbuns. Instrumentalmente, o quarteto é exímio dentro daquilo que vai criando, com espaço aqui para devaneios técnicos com a assertividade que lhes é reconhecida, mas a alma continua verdadeiramente punk rock sem compromissos.

As letras de Converge são outro dos pontos fortes e motivo pelo qual devem ser sempre lidas e, mais importante, sentidas. Não primam muito pela alegria, abordam várias situações de tristeza que a vida nos proporciona e vários falhanços amorosos, mas a forma como Jacob Bannon aborda todas estas questões – seja com frustração, raiva ou com esperança – torna esta experiência única que é ouvir Converge num momento de transcendência sentimental. Aimless Arrow, primeiro tema e single do disco, e o tema homónimo devem ser recordados para a posteriori como Last Light e The Broken Vow são hoje.

Uma vénia a estes senhores, por favor.

9.5/10

sábado, 6 de outubro de 2012

«Half Nelson – Encurralados»



Ou muito me engano, ou o filme da vida de Ryan Gosling será o noir Drive do ano passado, mas o canadiano tem outros bons papéis no seu curto currículo: Blue Valentine - Só Tu e Eu, Amor Estúpido e Louco, Stay – Entre a Vida e a Morte e este Half Nelson – Encurralados

Ryan Fleck (É uma Espécie de… Comédia, Sugar) é o realizador responsável por este drama que retrata a vida de um professor de História e treinador de basquetebol de uma escola nos subúrbios de Boston, cuja esmagadora maioria dos alunos é de etnia negra e hispânica. Fleck encontrou em Gosling um canal para explorar a vida do Prof. Dan Dunne, um jovem que consegue cativar alunos totalmente desinteressados na matéria de História e cria junto destes laços que vão para além da mera relação professor/aluno. Drey (Shareeka Epps) é uma aluna de 13 anos que vive no seio de uma família com alguns problemas sociais e económicos, mas revela-se a melhor amiga do Prof. Dunne, fruto de uma amizade e simpatia invulgares. 

É Drey quem vai ajudar o Prof. Dunne a tentar-se livrar daquilo que lhe vai destruindo a vida particular e que, a pouco e pouco, lhe começa a causar problemas dentro da própria escola: a droga. A personagem de Gosling é um ser extremamente solitário viciado em cocaína e erva, que encontra no ensino das aulas uma forma de combater o desespero e solidão da sua vida. Drey apercebe-se do vício profundo do seu professor quando o encontra na casa de banho das senhoras num estado lastimável; a partir daqui, a relação entre ambos fortalece-se. A gratidão de Dunne em relação a Grey existe e o professor passa a encará-la quase como uma filha, fazendo de tudo para a livrar da vida de vendedora de droga e da cadeia, pois naquele bairro de Boston a vida de criminoso parece ser a única alternativa de vida aos indivíduos de etnias minoritárias.

No global, Half Nelson – Encurralados é um filme muito bom onde as personagens convencem o espectador do papel que desempenham e do meio em que estas se inserem. A tensão, a tensão e o sentimento de miséria estão presentes em boas quantidades neste drama. 

Realização: Ryan Fleck
Argumento:Ryan Fleck, Anna Boden