segunda-feira, 28 de novembro de 2011

«A Árvore da Vida»


Ao fim de mais que uma visualização ainda continuo sem saber exactamente sobre o que Malick quis fazer com este filme e ainda me questiono se é um filme ímpar ou apenas mais um filme cheio de pretensiosismo onírico/pseudo-intelectual. Em quarenta anos de cinema, Terrence Malick realizou uma mão cheia de filmes, tendo-se estreado com o raríssimo Lanton Mills, de 1969, ao que se seguiram duas obras na década de 70 que são encaradas como fulcrais no cinema norte-americano, Noivos Sangrentos e Dias do Paraíso, e uma ausência de vinte anos, regressando em 1998 com A Barreira Invisível e 2005 através de O Novo Mundo.

Em todos os filmes deste realizador, fica a ideia de que cabe a cada espectador tirar as suas próprias conclusões sobre o real valor da película e do seu significado; poderia talvez afirmar que David Cronenberg e David Lynch têm a mesma escola surrealista de cinema. Ou talvez não: a partir do momento em que o próprio Lynch não consegue explicar exactamente o que acontece em Mulholland Drive, acredito que tudo é possível, por assim dizer. Esta árvore da vida começa no tempo que o próprio universo começa a ganhar forma, na época jurássica, no Texas dos anos 50, na contemporaneidade… e num futuro qualquer de sonho e fantasia onde todos quebram as barreiras temporais e físicas e convivem com enorme alegria e muita paz. Brad Pitt, e Jessica Chastain interpretam o papel do casal O’Brien que tem um filho muito especial: Jack. Jack, interpretado por Hunter McCracken e Sean Penn simultaneamente, é um menino que enfrenta o pai severo que ao mesmo tempo o ama, ainda que a relação dos dois seja conflituosa e desesperante em vários momentos: sempre que a narrativa decorre com o pequeno Jack, há sempre um ambiente presente de iminente violência e excesso de autoritarismo, ainda que o pai o faça para bem do rapaz. Por vezes, a realização avança no tempo para os nossos dias e vemos um Jack adulto (Sean Penn) a lutar com problemas do passado que nunca se resolveram. O miúdo Jack pede muito a Deus que este acabe com a vida do pai.

A religiosidade/cristianismo presente em A Árvore da Vida está presente ao longo do filme e “Deus” é proferido com bastante frequência. Na minha opinião, este factor cristão torna o filme demasiado espiritual e pretensioso, como se a história da humanidade estivesse dependente de um deus dito presente e sempre ausente; o deus de Malick existe já na era dos dinossauros. Este deus faz com que um dinossauro não mate outro que se encontra no chão, sem forças, à mercê de ser devorado. Mas não o é. O futuro onde o Homem comunga em paz é um futuro puramente onírico, bíblico e positivista, onde confluem o pequeno Jack, o Jack adulto e o pai O’Brien de mãos dadas. O destaque da obra vai inteiramente para a fotografia e o som; é simplesmente brilhante a forma como as cascatas, rios, florestas, vulcões, mar e toda a Mãe Natureza é filmada em grande esplendor. Há uma constante exultação à serenidade, sempre que os seres e paisagens onde estamos inseridos aparecem no grande ecrã. Por outro lado, os close-ups das personagens são de realçar, ainda que se repitam em demasia, forçando o espectador a se “desligar” do filme. Perdão, não são apenas estes planos próximos de câmara que distraem o espectador, a ausência de um fio condutor lógico na narrativa e os sucessivos recuos/avanços e avanços/recuos contribuem de sobremaneira para que se concentre na imagem/som e ignore os diálogos, mesmo quando estes não estão a louvar Deus.

A Árvore da Vida é um filme audaz e uma grande produção cinematográfica com boas prestações dos actores a nível geral, ofuscada em demasia pelo simbolismo que Malick introduz. Talvez à décima contemplação eu consiga compreender inteiramente todas as mensagens da obra… até lá, fico-me pelo híbrido pretensiosismo/boa qualidade.

Título original: The Tree of Life
Argumento: Terrence Malick
Realização: Terrence Malick

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Lev Tolstoy «A Morte de Ivan Iliitch»


Sempre que se fala em Literatura, é impossível fugir à figura de Lev Tolstoy e àqueles que são considerados expoentes máximos da literatura russa e que viriam a abalar os alicerces da época em que são publicados: Anna Karenine e Guerra e Paz. É óbvio que seria pretensioso e arrogante da minha parte excluir Os Irmãos Karamazov e Crime e Castigo de Fyodor Dostoyevsky, a obra ligada ao teatro de Chekhov ou Doutor Jivago de Boris Pasternak; pior seria não mencionar A Morte de Ivan Iliitch, infinitamente elogiado por António Lobo Antunes e Vladimir Nabokov. 

Tolstoy, nascido a 28 de Setembro de 1828, foi uma das figuras que mais marcaram a sociedade russa: nascido num berço nobre, Tolstoy acabou a sua vida longe dos luxos junto dos camponeses, adoptou ideias anarquistas, converteu-se ao cristianismo e defendeu uma ideia de proximidade entre o ser humano e a natureza. Morreu a 20 de Novembro de 1910 e deixou um legado tanto literário e humanista de grande valor para o Homem. Neste livro, como o título sugere, aborda-se a morte de um juiz da classe burguesa e sua luta contra uma doença fatal que o faz rever toda a sua existência e fragilidade. Ivan Iliitch, tal como Tolstoy antes de se juntar aos camponeses, é um homem que comete excessos, casa-se por conveniência em vez de amor e acaba por falecer devido a uma queda que afectou um rio ou o ceco.

O primeiro capítulo começa precisamente com o anúncio da sua morte contada pelos seus amigos mais próximos que trabalham consigo no tribunal e com o velório que decorre na casa de Iliitch. A esposa, apesar de triste, preocupa-se com quanto dinheiro ganhará com a morte do marido, os seus amigos fazem contas à vida profissional: com a morte do malogrado, haveria certamente quem subisse qualitativa e economicamente no emprego. A única pessoa que se mostra triste, mas resignado com a partida de Iliitch, é o seu criado Guerassim – pessoa que mais zelou e ajudou o patrão durante a sua enfermidade até à sua morte. Após estes capítulos iniciais, Tolstoy imprime uma mudança no texto e passa de imediato para a vida de Ivan Iliitch. Assim que adoece, Iliitch apercebe-se da sua fragilidade ao ver o seu corpo mirrar e do quão frágil a vida é, perguntando-se a si mesmo o porquê de ele estar a morrer, ele que viveu sempre de forma justa. A não aceitação do seu estado e a proximidade com a morte deprimem e pioram o seu estado, acabando por afastar os que o rodeiam. Apercebe-se de que os outros têm pena de si, mas esse sentimento condescendente enerva ainda mais a condição de Iliitch, até que entra em diálogo consigo mesmo e com Deus.

Na realidade, Tolstoy usa Ivan Iliitch para espelhar-se. Tanto um, como outro, são oriundos de famílias abastadas, têm bons empregos, esposas artificiais e não pensam muito na morte, até que a doença entra nas suas vidas. Tolstoy, e em especial quando a doença que haveria de o matar lhe bate à porta, aproxima-se mais de Deus e da natureza, repudiando no entanto o cristianismo enquanto religião organizada e institucionalizada, transmitindo a mensagem de que a morte é algo que não podemos evitar enquanto seres vivos, mas que a morte pode não ser o fim do Homem: aquele que se entrega à natureza e que sente Deus e a sua humildade dentro de si mesmo, em oposição aos que materialistas, viverá uma morte em paz. Por outras palavras, Iliitch apercebe-se de que a sua vida de aparências e exageros, ligada a um emprego que lhe dá o direito de julgar, ilibar ou condenar outros homens, foi uma vida má e, assim que aceita a morte física, a sua vida espiritual iniciar-se-á após a morte. A sua vida começará neste ponto.

O único que se orienta sob este estilo de vida espiritual e que aceita a morte como parte natural da vida é o já referido criado Guerassim, a única personagem do povo em todo o livro e a que mais contribui para a calma interior que Iliitch adquire na fase final da sua mortalidade. Uma obra ímpar, aparentemente simples, mas profundamente enraizada na filosofia de vida de Tolstoy.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Roberto Bolaño «O Terceiro Reich»


Ler este autor implica ter a seu lado uma boa chávena de café quente, sentar-se de preferência numa esplanada ao sol e algo para matar a sede. Apontado por muitos como um dos grandes génios das últimas décadas da literatura latino-americana e autor dos best sellers 2666 e Os Detectives Selvagens, Roberto Bolaño não me tinha impressionado neste último Verão, altura em que li e opinei sobre Os Dissabores do Verdadeiro Polícia (obra póstuma, tal como esta), sem no entanto conseguir escapar ao elogio da sua escrita.

Posto isto, a obra é-nos apresentada em forma de diário de Udo Berger, um alemão de Estugarda que é viciado e campeão de jogos de estratégia conhecidos por “wargames” viaja até à Costa Brava na Catalunha e fica instalado no hotel Del Mar, na companhia da sua namorada Ingeborg. O hotel Del Mar é o local onde Udo passava férias com regularidade na companhia da sua família, gerido pela bela Frau Else e o seu marido que o protagonista tinha conhecido há já dez anos e dos quais ainda se lembra perfeitamente, muito em particular de Frau Else. A Catalunha é especialmente quente e descontraída na época balnear e muitos são os turistas alemães que decidem passar lá as suas férias e apanhar um tom de pele mais escuro, como é o caso de Hanna e Charlie, casal que Udo e Ingeborg conhecem na praia e nas saídas nocturas. Junta-se o Lobo e o inseparável Cordeiro, dois espanhóis locais e uma personagem intrigante, o Queimado, alcunha resultante das enormes queimaduras e cicatrizes que a personagem possui, e temos as personagens principais de O Terceiro Reich.

Udo não vive sem o seu jogo de tabuleiro bélico, nem mesmo nesta altura em que devia estar deitado na praia e a dar mergulhos no mar; não, em vez disso, o alemão passa o tempo enfiado no seu quarto a delinear novas estratégias para simular a vitória nazi na Segunda Guerra Mundial contra um oponente de peso e que lhe causa algum mal-estar: o Queimado, jogador dos Aliados. A obra gira parcialmente em torno destes jogos de estratégia e no reviver da História - matéria na qual Bolaño apresenta um conhecimento de causa assinalável -, adicionando simultaneamente uma intriga policial à narrativa quando Charlie morre misteriosamente numa das suas habituais incursões de windsurf no mar. Outro factor que confere à obra um certo nervoso miudinho e prenúncio de que algo de mau vai acontecer, ocorre nos jogos contra o Queimado, do qual pouco ou nada se sabe, mas há sempre indícios de que há mistérios por resolver e de situações adversas.

O Terceiro Reich está interligado com A Literatura Nazi nas Américas e Estrela Distante (romances que já se encontram no mercado português), recupera personagens de outros romances, chama por grandes nomes da literatura mundial e tem como ponto forte a forma descontraída, mordaz e realista que Bolaño utiliza para narrar os acontecimentos, adensada pelo já referido mistério e características das obras de carácter policial. A estadia de Udo Berger e a relação que este estabelece com Frau Else, o Queimado os outros habitantes e locais que rodeiam o hotel proporcionam agradáveis horas de leitura ao ritmo sul-americano.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Irons / Pulling Teeth «Grey Savior»


Bons músicos não se limitam a fazer apenas uma coisa: os que são verdadeiramente excepcionais gostam de descobrir novos territórios e ao mesmo tempo transcender-se através de diferentes sonoridades. Posto isto, estes Irons resultam da queda de preconceitos e ousadia por parte de Jacob Bannon (o mentor dos Converge), Dwid Hellion (Integrity) e Stephen Kasner (reconhecido artista gráfico e músico multi-instrumentalista), que juntos, formaram um dos conceitos musicais mais interessantes e misteriosos dos últimos anos.

Tal como os três músicos enunciados no parágrafo de cima, os Pulling Teeth têm também as suas raízes no hardcore punk caótico e nalgum crossover sujo, do qual resultou o seu álbum de estreia Vicious Skin, seguido por Martyr Immortal, um disco que conferiu à banda um burburinho merecido, especialmente pela sua última faixa intitulada Dismissed in Time. O disco é composto por quatro temas interpretados pelos Irons e dois da autoria dos Pulling Teeth, sendo que um deles (o já referido Dismissed in Time) é uma remistura levada a cabo por Jacob Bannon, que lhe acrescentou um minuto extra e um brilho extra, graças à dose de folk e “factor épico” que os violinos ficaram a ganhar – Bannon faz questão de contribuir fortemente para que não seja apenas mais uma remistura; Generals of Dark Hymns assenta num híbrido de sons que lembram um pouco o percurso da artista Jarboe, os últimos trabalhos de Sunn O))), apimentados com alguns riffs melódicos, vozes secundárias raivosas a puxar para o Nothing Positive, Only Negative dos Facedowinshit, teclados introspectivos e um clímax sensacionalmente distorcido. 

A música dos Irons é feita a partir da electronica invulgarmente étnica que se enquadra algures entre o post-rock e a poesia futurístico-apocalíptica, onde uma textura suave e onírica empurra uma brisa que sussurra frases e ecos ríspidos. Letting Go é a grande excepção desta regra, pois, graças à sua melodia, fica distante do sentimento de sufoco que ocorre em determinados momentos dos três restantes temas, muito em particular de Sky Funeral, faixa que faz uma boa transição entre o fim de Irons e o princípio de Pulling Teeth. Fica no ar a ideia de que Bannon recupera um pouquinho do seu já extinto projecto Supermachiner, refira-se.

Grey Savior é um disco agradável e com grandes momentos de experimentalismo por parte das duas bandas, ainda que seja uma pena que não haja mais que um tema original e um remisturado por parte dos Pulling Teeth. Mesmo assim, e apesar de trazer ao de cima um aroma dos Swans, este é um disco extremamente recomendado para quem quer descobrir o “outro lado” de Jacob Bannon e a criatividade de outros grandes músicos que fizeram com que este vinyl/download digital visse a luz do dia. 

8/10

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Alcest «Le Secret»


Quando penso em neve, penso em frio, humidade e o sonho de todas as crianças: bonecos de neve, pois claro. Penso também na Suécia, Noruega e Finlândia, no povo sami que habita as lindas e gélidas paisagens do norte destes referidos países, e ocasionalmente dá-me vontade de ouvir Celtic Frost e Bathory (todas as suas metamorfoses). Por vezes, divago a pensar na experiência que é estar numa sauna a 80 graus e desatar a correr nu para a neve, onde imperam os 30 graus negativos e onde se dá um choque térmico inicial que paralisa o corpo, para logo de seguida nos deixar extasiados e relaxados.

A primeira vez que escutei Alcest, fiquei absolutamente extasiado, como se tivesse passado novamente pela experiência quente/gélida que referi no parágrafo anterior, e curiosamente, o mentor desta banda do sul de França dá-se a conhecer pelo nome artístico de “Neige” (“neve”, em português). Ao contrário do que possa sugerir a neve no contexto mais obscuro do heavy metal – black metal e as conotações satanistas e nihilistas -, Neige compõe música absolutamente bela e afastada ao máximo dos clichés habituais no mundo do rock extremo: Alcest representa, segundo o próprio Neige, um conjunto de memórias da sua infância que o levavam para um mundo onírico, distante da Terra, habitado por fadas e composto por riachos, árvores e grandes florestas que emitem uma luz forte adornada por pérolas e onde a música celestial preenche o ar puro de perfume. Alcest é… tudo menos a inferno e o gelo do black metal, apesar de nas primeiras demos a banda cambalear em torno do género.

Le Secret, totalmente cantado em francês, foi o primeiro EP da banda, lançado em 2005 pela Drakkar Productions e agora, felizmente, reeditado pela Prophecy Productions. O disco não difere muito da sua primeira edição, na altura composto por dois temas Le Secret e Élévation, sendo que estes sofreram uma remasterização, perfazendo então quatro músicas. Reina aqui a música atmosférica com influências do post-rock de uns Mogwai e o shoegaze que caracteriza parte da composição musical dos Agalloch, intercalado com laivos de black metal minimalista e um certo aroma a The Gathering, na sua fase mais trip-rock. A água da nascente desce ao longo do riacho de Le Secret, mas é em Élévation que o som do disco se torna mais épico e memorável, com teclados e vozes cortantes e acordes de guitarra plenos de melodia. O calcanhar de Aquiles desta reedição reside precisamente nas vocalizações abafadas e pouco nítidas, quando em comparação com o instrumental; com efeito, nem mesmo a remasterização trouxe ao de cima a verdadeira essência das cordas vocais de Neige, que soam mais mágicas nos dois longa-duração que se seguiram a este EP (Souvenirs d'un Autre Monde e Écailles de Lune, respectivamente).

Esperava um pouquinho mais da lavagem efectuada aos dois temas de 2005, porém, este Le Secret é óptimo no sentido em que é essencial para a compreensão dos Alcest e porque a primeira edição há muito que se encontrava esgotada ou a preços exorbitantes. A ouvir e desfrutar enquanto Les Voyages De L'Âme não vê a luz do dia.

7/10

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Despise You / Agoraphobic Nosebleed «And On and On»


As compilações são, regra geral, uma boa maneira de as bandas encaixarem lucro fácil à custa de uma reunião de temas que o ouvinte mais aprecia das mesmas (que o digam os Iron Maiden, com aqueles best ofs natalícios). No entanto, e de vez em quando, há compilações que fazem sentido, em especial as que reúnem vários artistas desconhecidos com alguns que já se conhecem; a Relapse conseguiu, nos últimos anos, fazer duas compilações de grande nível no espectro do crust/noise/grindcore e powerviolence nas suas This Comp Kills Fascists Volume One e Volume Two.

Do segundo volume saíram os Despise You, banda que explora os caminhos do powerviolence cru na veia dos clássicos do Japão e E.U.A., com influências da primeira vaga do hardcore punk. O conjunto californiano contribuiu com dezanove temas para a primeira parte deste split com os Agoraphobic Nosebleed e mostra que o powerviolence norte-americano está a crescer e a ganhar novamente o respeito e interesse de outrora, disparando temas curtíssimos (20, 30, 60 segundos), dos quais se destacam Bereft, Roll Call, o punk de Fear’s Song (tributo aos The Fear?), Two or Tem Faces. Shit Goes In, Shit Comes Out e You Can’t Fix Me, com pujantes riffs thrash, são, também, óptimos cartões de visita.

A segunda parte do disco – também disponível em formato vinil 12” – ficou a cargo dos Agoraphobic Nosebleed, banda estandarte do movimento noise/grindcore norte-americano que juntou Kat Katz (ex-Salome) a Jay Randall e Richard Johnson no quarto álbum de estúdio, Agorapocalypse, de 2009, e oferece a costela mais brutal deste split com sete temas que equilibram o material que antecedeu o disco de 2009 com esse mesmo, embora a produção e as linhas com que se cosem incidam muito mais naquilo que caracterizou Agorapocalypse: maior influência do thrash metal, solos como aquele que abre As Bad As it Is e o de Possession, revelando um Scott Hull na guitarra cada vez mais dinâmico e mais focado em variar as curtíssimas Los Infernos e Miscommunication com as arrastadas e decadentes Burlap Sack e Half Dead – que belos riffs Napalm Death/Obituary que aqui se fazem ouvir. 

Em suma, And On and On é um disco interessante que dá a conhecer um pouco mais dos Despise You, que já andam nisto desde 1995 e que contam apenas com um longa duração (West Side Horizons), prolongando também o já extenso rol de EPs/splits dos Agoraphobic Nosebleed.

7.5/10

domingo, 13 de novembro de 2011

Falloch «Where Distant Spirits Remain»


O início dos anos 90 marcou uma era musical que ficou a ser conhecida por “dark metal”, que resultava da mistura de estilos agressivos com um toque melancólico do doom ou até mesmo do gothic metal. My Dying Bride, Paradise Lost e Katatonia foram três destes exemplos que mais sucesso mainstream obtiveram, muito à custa de Dance of December Souls, Gothic e Turn Loose the Swans; mais tarde, os Opeth surgiram com Orchid  e a aproximação clara ao metal progressivo, os Agalloch mostraram que os Joy Division são mais que compatíveis com o metal no seu “debut” Pale Folklore e os Thanatoschizo lançaram um fenomenal lançamento nesta área vanguardista, deu seu nome InsomniousNightLift.

Formados em 2010, os Falloch são um duo da cidade de Glasgow, formado por Andy Marshall e Scott McLean e seguem as pisadas da recente fama que Agalloch e Alcest têm vindo a gozar. A fórmula consiste na mistura de rock progressivo, neo-folk, black metal atmosférico e algum shoegaze à mistura, proporcionando momentos épicos e belos, mas tem um problema: só resulta quando bem trabalhado, algo que não se observa com sucesso nestes Falloch. A colagem a Agalloch começa no logótipo da banda, no “lloch” do nome e no som, na sua grande maioria, o que é triste, pois mesmo o último Marrow of the Spirit denotou perca de fulgor e criatividade por parte do conjunto de Oregon e estes escoceses conseguem fazer um trabalho ainda com menos brilho.

Where Distant Spirits Remain é um disco com bons temas e, no global, soa bastante homogéneo, e isso tem que ser ressalvado. O primeiro tema do disco, We Are the Gathering Dust, é dos mais fortes e apresenta boas ideias, nomeadamente no escasso recurso à batida black metal, nas quebras de rimo e os samples de água a descer nas nascentes e nos rios da paisagem escocesa ajudam realmente a criar uma sentimento de envolvência entre a música e o ouvinte… até ao momento em que os dedilhados acústicos repetitivos nos preparam para recta final e anunciam fugazes, algo desconexos, blast beats com que a canção termina. Os instrumentos de sopro – ou a sua emulação – estão presentes em boa parte do disco, como se verifica em Beyond Embers and the Earth ou na instrumental Horizons (esta com um grande toque celta), mas tentam muitas vezes ser uma via de escape à previsibilidade que predomina no disco.

A voz de Marshall é boa e denota talento, ainda que atinja um patamar demasiado limpo e polido, forçado e aborrecido nalguns momentos. Isto juntado ao instrumental simples e previsível que marca este álbum e o peso-pesado que dá pelo nome de Agalloch, tiram todo o brilho e potencial que Where Distant Spirits Remain poderia ter para oferecer. Enquanto o “hype” à volta do género durar, acredito que os Falloch consigam atingir sucesso; sem embargo, The Mantle ou Souvenirs d'un Autre Monde são alternativas muito, mas muito mais sólidas e satisfatórias.

5.5/10

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Steven Blush «American Hardcore: A Tribal History»


A música, como todas as vertentes estético-artísticas, tem movimentos e períodos específicos que marcam uma era e perduram no tempo. Hardcore punk pode ser definido como a segunda vaga do punk rock, caracterizando-se principalmente pelo ritmo acelerado da bateria, distorção acentuada nas guitarras, letras consideravelmente berradas, músicas curtas (dois a três minutos) e uma ênfase lírica que vai para além do anarquismo que marcou grande parte do punk rock britânico (The Crass, Sex Pistols, The Exploited, etc), abrangendo tópicos como a própria cena hardcore, o vegetarianismo/veganismo, a postura straight edge, gravações independentes de discos ou revolta contra o governo de Ronald Reagan (no contexto norte-americano). 

Steven Blush é alguém que acompanhou de perto e conviveu com as maiores bandas norte-americanas, utilizando aqui nesta enciclopédia vários testemunhos de situações que ocorreram e de amigos que ele fez e com os quais ainda mantém contacto, dando um precioso contributo para uma melhor compreensão do movimento e de muitas bandas em particular. Com efeito, Blush fez uma pesquisa minuciosa sobre o período de 1980 a 86, altura em que, para ele e alguns dos entrevistados, o hardcore punk morre, cobrindo praticamente estado a estado, desde o sul/norte da Califórnia (Black Flag, Circle Jerks, Dead Kennedys, Agent Orange, The Adolescents, Suicidal Tendencies, Descendents, Minutemen), o Texas (Dirty Rotten Imbeciles, Verbal Abuse), Nevada (7 Seconds), Washington DC [Minor Threat, Bad Brains, The Teen Idles, Iron Cross, Scream (banda de Dave Grohl, que mais tarde viria a integrar os Nirvana e a formar os Foo Fighters)], Nova Iorque (Reagan Youth, Agnostic Front, Murphy’s Law, Beastie Boys), Minesota (Hüsker Dü), Carolina do Norte (Corrosion of Conformity), Massachusetts (Social System Decontrol, Negative FX, Siege)  e outros estados de menor importância para o movimento, havendo um grande destaque para a Califórnia, Nova Iorque e Washington DC.

Blush diz o que pensa e não pensa duas vezes antes de ridicularizar alguma banda ou ramificação do hardcore punk, embora por vezes teça alguns elogios a determinados sub-géneros e discos que não são propriamente hardcore, mas que tiveram uma grande influência na cena – os discos dos Fear e Flipper merecem destaque por parte do autor. Enquanto Blush analisa o que aconteceu depois de 86 e o aparecimento do thrashcore, crossover, sludgecore, youth crew, post-hardcore, emocore, screamocore, powerviolence, grindcore, crustcore, etc, ele revela curiosidades sobre várias bandas e mutações de certos artistas: Moby, que teve uma banda de hardcore punk, os já referidos Corrosion of Conformity e sua passagem do hardcore cru para o sludge/stoner, o rap dos Beastie Boys, a conversão post-punk/goth dos The Sounds of Liberty e mais outros pormenores que valem a pena ser lidos.

«Estou a documentar a cena musical do hardcore punk americano porque está a ser esquecido. A sua história está-se a evaporar e os seus participantes caem no esquecimento ou encontram a religião ou reprimem as memórias daqueles dinâmicos dias. Este livro expressa os melhores anos do hardcore american, de 1980 a 86. Muito se passou naqueles anos. Hardcore foi mais que música – tornou-se também num movimento político e social. (…) O mundo mudou dramaticamente ao largo das últimas décadas. O que ocorreu no início dos anos 80 não pode voltar a ser repetido». É desta forma crua e directa que Steven Blush inicia o seu livro; no entanto, será que o hardcore punk morreu de facto em 86? Penso que não.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

António Lobo Antunes «Quarto Livro de Crónicas»


Ao quarto livro, mais setenta e nove crónicas. António Lobo Antunes escreve com regularidade para a revista Visão desde há uns anos para cá, onde são publicados textos que se destacam pela sua melancolia contrastante com o humor do autor, e a D. Quixote encarrega-se depois de fazer a sua compilação, como acontece neste agradável Quarto Livro de Crónicas – o primeiro data de 1998.

Ao largo destas quase oitenta crónicas, António Lobo Antunes viaja pelo seu passado, recuperando as memórias da infância em Nelas e Benfica, dos avós e dos pais, da mercearia do Sr. Casimiro, da caça às lagartixas, das travessuras, dos professores da escola, dos amigos, da escrita precoce ou da aptidão para jogar hóquei. A guerra colonial em Angola é também assunto em destaque, fazendo Lobo Antunes questão de mostrar ao leitor o carinho, os maus momentos e a saudade que nutre pelos seus camaradas – alguns já mortos - sempre que pensa neles ou quando há jantares de reunião e convívio entre velhos amigos que são, no fundo, irmãos de guerra (AcácioAntónioAcácioAntónioAcácioAntónioAcácioAntónio). António Lobo Antunes estabelece diálogos íntimos consigo mesmo e com quem o lê, retratando muitas vezes o seu processo de criação dos seus livros (Onde o Pobre Escritor Começa), o que o motiva a escrever, a força que ele busca, por vezes, para conseguir dactilografar uma boa crónicas e quando deita fora alguns capítulos de um livro que nunca chega a ser livro, conduzindo-o à estaca zero – e lá começa de novo o processo, culminando com o êxito que é reconhecido pela imprensa e pelo leitor fiel - Crónica com Buganvílias: «(…) Fazer livros é uma tarefa que não associo ao prazer. E, no entanto, que outra coisa verdadeiramente me interessa? Além do mais tornou-me humilde, isto é, deu-me um orgulho humilde.».

António Lobo Antunes escreve também sobre alguns escritores que o marcaram (O Capitão da Areia), alguns seus amigos, outros que nunca conheceu; porém, há crónicas cujo título remete de imediato para o sujeito em questão: (Miguel Torga, Juan Marsé). Convém ressalvar que nestas crónicas há um sentimento de saudade predominante – infância, adolescência, pai e avó, principalmente -, um sentimento de tristeza relativo à guerra colonial e um enorme sarcasmo hilariante que o autor descobre para amenizar e tornar divertida toda a melancolia aqui descrita – há também o regresso à já conhecida crónica sobre os dentistas, A Cadeira do Dentista, a mais cómica deste Quatro Livro de Crónicas.  

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

«Død Snø»


Se já visitou anteriormente este meu blog(ue?), sabe que adoro filmes de terror e que sinto um enorme fascínio pelo género. Desde os clássicos de Romero, do boom italiano de realizadores que contribuíram para o crescimento e criação de uma certa sedução por parte dos mortos vivos - de onde gostaria de destacar, entre muitos outros, Dario Argento (Suspiria) e Lucio Fulci (Zombie 2 - A Invasão dos Mortos Vivos), visitando a rua de Elm Street, o Halloween de 1978 (e o espectacular remake que Rob Zombie fez em 2007), as experiências na reanimação dos mortos (Reanimator), ou os recentes Silent Hill, Stake Land, Os Renegados do Diabo, etc, etc, etc.

Uma das minhas mais recentes descobertas foi este Død Snø, conhecido internacionalmente pela sua anglicização Dead Snow, um filme realizado no país dos fiordes, black metal, neve, bacalhau e dos deuses mitológicos dos vikings: a Noruega, pois claro. Tommy Wirkola juntou um grupo de jovens actores e levou-os até Øksfjord para realizar um hilariante filme de zombies nazis que ficaram presos em Finnmark no final da II Guerra Mundial. Enquanto os alemães, liderados pelo Coronel Herzog, ocuparam o norte da Noruega, trataram de pilhar, incendiar e matar uns quantos civis, até que um dia a população local se revolta e trata de ajustar contas, expulsando-os do território. Oito estudantes de Medicina vão passar as suas férias da Páscoa numa cabana isolada na neve e deparam-se com uma caixa antiga que contém, nada mais, nada menos que ouro e moedas dos nazis que outrora ocuparam a área; mal sabiam eles que ao desenterrarem o tesouro estariam a libertar o mal dos soldados alemães que, afinal de contas, nunca chegaram a morrer: tornaram-se zombies. Até aqui, a originalidade não é muita e, verdade seja dita, não importa muito – é um filme sobre zombies feito precisamente para fazer rir.

A carnificina é um dos pontos fortes do filme, em detrimento daquelas cenas em “slow motion” com montes de tiros e estilhaços como temos assistido no massacre feito à saga Resident Evil, a acção decorre de forma rápida e espontânea: são oito contra um exército de mortos vivos do III Reich e não há tempo para cenas românticas, importa mesmo é disparar e correr, disparar e correr. E quando não há armas de fogo, o que estiver à mão também conta como utensílio de defesa. Há aqui cenas que fazem lembrar de imediato a The Evil Dead – A Morte Chega de Madrugada: a cabana, onde decorre grande parte da narrativa, uma motosserra que tritura tudo o que toca e uma cena – a segunda mais hilariante do filme, passo já à número um – tipicamente Sam Raimi: uma vez mordido num braço por um zombie, uma personagem passa de imediato à amputação do membro a sangue frio e com a ajuda da motosserra. A cena mais hilariante da película acontece quando duas personagens estão dentro da cabana, cercados por um batalhão nazi, e lançam um cocktail molotov… que explode e incendeia a cabana. Segue-se uma chamada telefónica para o 112, informando o operador de que estão a ser atacados por zombies da Segunda Guerra Mundial.

Død Snø não inova em praticamente nada num género povoado por um sem número de maus filmes – muito maus – que tentam, sem efeito, focar-se em relações amorosas e deixam de fora o elemento principal num filme de terror com boa disposição: espontaneidade e diversão.

Argumento: Tommy Wirkola, Stig Frode Henriksen
Realização: Tommy Wirkola