quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Nirvana «In Utero: 20th Anniversary Super Deluxe Edition»



As palavras «Teenage angst has paid off well/Now I’m bored and old» definem bem o estado de alma do banda oriunda de Seattle: Nevermind já era, faz favor. «O seu único defeito é ser pefeito», diz Dave Grohl em várias entrevistas sobre o segundo disco da banda, aquele que viria a inundar as rádios com Smells Like Teen Spirit, In Bloom e outros grandes êxitos.

Esta tentativa de limpar a imagem – um disco com uma produção menos pop, com um som mais cru – só seria alcançada com o talento e ajuda de Steve Albini, que tinha produzido já bandas como The Jesus Lizard, Superchunk, Tar ou Helmet e que actualmente é o senhor que grava os discos dos Neurosis. Os Nirvana fecham-se durante duas semanas no Pachyderm Studios, desagradam a editora com temas diferentes do sucesso comercial do disco anterior  - Scott Litt deu alguns retoques à produção final; os temas Heart-Shaped Box, Pennyroyal Tea e All Apologies  acabaram remisturados, o que causou algum mal estar entre Albini e a banda – e gravam o seu melhor disco: um dos melhores de sempre e aquele que verdadeiramente capta a identidade do grupo: pop – algum, sim -, rock, punk e hardcore old school.

O resto da história de In Utero é conhecido: 15 milhões de discos vendidos, temas pesados, mais agressivos, mais crus, gravados em pouquíssimos takes e um legado que fica para a posterioridade. O álbum todo é assustadoramente quase perfeito, no entanto vou destacar aqueles que, na minha opinião, são o coração do disco: a esquizofrenia de Tourette’s, a melancolia de Dumb, a melodia de All Apologies, a distorção de Scentless Apprentice, o sarcasmo arrebatador de Serve the Servants e, por último, a hipnótica Pennyroyal Tea

20 anos depois, esta Super Delux Edition traz consigo uma dose enorme de saudosismo e acrescenta uma remistura global, pré-demos, lados-B, um disco e um DVD de uma actuação ao vivo em Seattle, excluindo – lamentavelmente – o vinil e temas verdadeiramente desconhecidos dos fãs. Uma boa edição, sem dúvida, vendida a um valor – 100 euros - que deveria incluir no mínimo um ou dois vinis.

9/10

sábado, 19 de outubro de 2013

Alfred Döblin «Berlim Alexanderplatz»



Berlim Alexanderplatz narra a saga de Franz Biberkopf, o anti-herói berlinense, um «assaltante», «chulo» e «assassino», que depois de cumprir pena na prisão por assassinato, tenta – como pode – reinserir-se na vida agitada da capital alemã.

Tendo como palco principal os bairros da classe operária berlinense, Alfred Döblin (1878 – 1957) assinalou, em 1929, esta grande epopeia citadina em pleno auge da industrialização alemã que alterou, não só a vida profissional, mas também o comportamento social dos habitantes; a agitação da cidade moderna, os tumultos causados pelo crescimento do sentimento anti-semita/pró-fascista e o papel do ex-criminoso de volta à vida social são o prato forte deste estupendo romance. 

Döblin refere no posfácio que ou Berlim mudava, ou Franz teria que mudar. Como é óbvio, não será um sujeito que acaba de sair da prisão que vai mudar uma metrópole: é Franz quem tem o dever de se adaptar às circunstâncias. E o que pode fazer um ex-condenado para viver? Não muito; Franz, apoiado por alguns amigos da má vida – gente criminosa e desonesta – ganha a vida a vender jornais de propaganda anti-semita que a extrema-direita alemã usa para ganhar votos no seio de uma população descontente – para piorar, a industrialização e o seu sistema capitalista vieram agravar ainda mais as desigualdades, como se sabe -, sem que, no entanto, o salário chegue para cobrir as despesas de um indivíduo que não vive propriamente confortável. É, novamente, o regresso à vida criminosa e uns trabalhinhos “isentos de impostos”, aliados ao proxenetismo que ajudam a desafogar as finanças do anti-herói - «assaltante», «chulo» e «assassino», recordo. Porém, o crime não compensa da forma que Franz desejaria, agravando-lhe ainda mais a precariedade em que vive. 

A escrita modernista de Berlim Alexanderplatz, recheada de sons e calão urbano, rápida e intensa, torna-se sufocante, transportando o leitor para o caos de uma Berlim incapaz de lidar com a mudança do paradigma industrial, impotente perante a hostilidade nazi – em quem os habitantes viam a salvação da economia. Döblin imprime uma maior velocidade e confusão através do fluxo de consciência -tal como Joyce e Edouard Dujardin, entre outros, requerindo, dessa forma, uma leitura mais atenta: «Então Franz sente que basta. Boceja. Apetece-lhe ir fazer ó-ó. Pois é, isto aqui em Tegel, mas pr’a que é qu’eu vim, o qu’é qu’eu aqui vim fazer? os pensamentos atropelam-se-lhe uns nos outros, tenho d’ir pr’á caminha, o resto são lérias.» (pág. 366).

Banido na Alemanha durante o regime de Hitler, Berlim Alexanderplatz é um best-seller germânico imperdível.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Eleanor Catton vence Man Booker Prize

 
A neozelandesa Eleanor Catton (n. 24 de Setembro 1985) venceu o Man Booker Prize 2013 graças ao romance The Luminaries, tornando-se assim a escritora mais jovem de sempre a arrecadar o galardão.

Robert MacFarlane, presidente do júri, classificou a obra como «brilhante» e «deslumbrante», ao que a jovem autora agradeceu e enalteceu o facto de o júri não ter dado importância à sua juventude.

Eleanor Catton arrecadou igualmente 50 mil libras de prémio.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Philip Roth «Nemesis»


 

Nemesis foi o último romance de um dos mais galardoados escritores norte-americanos dos últimos anos, Philip Roth, recentemente aposentado da Literatura. Capítulo final numa série de quatro obras – Everyman (Todo-o-Mundo, em português), The Humbling, Indignation (Indignação, idem) – onde aborda, essencialmente, a fragilidade do ser humano enquanto ser que envelhece e perde faculdades e a falácia do sonho americano.

Nesta obra, o veterano escritor prossegue a contar-nos algo sobre o seu passado enquanto jovem em Newark, Nova Jérsia, na década de 40. Esta década, onde os Estados Unidos derrotaram o nazismo e o imperialismo nipónico em duras batalhas, adquire um sentimento quase secundário para Eugene “Bucky” Cantor, um jovem de 20 e poucos anos que queria muito servir o seu país na guerra mais sangrenta do séc. XX, mas que por ver muito mal, foi-lhe recusada a sua participação; a verdadeira guerra que Bucky tem pela frente, é a poliomielite, uma doença que naqueles tempos era letal, principalmente nas crianças. 

Quando o surto de poliomielite ganha contornos assustadores no bairro judeu onde Bucky vive, o professor de educação física e também treinador tem em mãos a maior desgraça que lhe podia acontecer. Pouco a pouco, todos os rapazes saudáveis e cheios de vida que Bucky conhece adoecem, acabando a grande maioria deles por morrer no hospital. Sem qualquer tipo de certezas sobre a origem da epidemia, a paranóia reina entre os moradores do bairro. Será que o problema está no calor? Será que são os miúdos italianos que trazem o vírus? Estas e outras questões são colocadas a Bucky. Ele, como é óbvio, não tem resposta.

Philip Roth passa em revista toda a sua vida, ainda que esta obra não seja necessariamente bibliográfica; a América dos anos 40, a saudade, a nostalgia parecem-me ser demasiado evidentes ao longo do romance. Outra questão principal prende-se com Deus e a sua existência: que tipo de Deus é este que tira a vida a crianças inocentes? Philip Roth e Bucky, apesar das raízes judaicas, não parecem ser religiosos. Bucky, ao longo da obra, tenta perceber como é possível que as pessoas à sua volta acreditarem em Deus – uma divindade bondosa – quando todo o mundo parece entrar em colapso.

Extremamente reflexivo e inquisitivo, Nemesis – a confirmar-se como último romance do autor - passa a ideia de que Philip Roth possa eventualmente ter saído da cena literária com alguma amargura, como ele deu a entender em entrevistas recentes. Uma boa obra, sem dúvida, mas não a sua melhor.

Nota: esta crítica foi baseada na leitura da obra no seu idioma original, o inglês.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Alice Munro vence Prémio Nobel da Literatura 2013


A escritora canadiana Alice Munro venceu o Prémio Nobel deste ano na categoria literária.

A Academia Sueca atribuiu o galardão e 1.25 milhões de dólares à contista de 82 anos (n.1931) devido à sua «mestria de conto contemporâneo». 

Apesar de a Academia Sueca não divulgar nomes candidatos ao prémio, a autora vencedora do Man Booker International Prize de 2009 deixou para trás uma lista, elaborada pela imprensa literária, que incluia, entre outros, o português António Lobo Antunes, Haruki Murakami e Jon Fosse.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Erling Jepsen «A Arte de Chorar em Coro»


Chorar tem que se lhe diga: é uma arte. Pelo menos, é-o para uma família disfuncional do Jutlândia, no sul da Dinamarca. No final dos anos 60, numa região rural, há uma família que marca presença em funerais, mesmo quando não conhece bem o morto, para chorar em coro e discursar no enterro. Por vezes, dão também uma perninha em festas de aniversário. Esta arte é, no entanto, treinada em casa com auxílio de livros e músicas tristes.

A Eucleia e João Reis trazem-nos a primeira tradução portuguesa de um romance que, por vezes, roça o sublime. Erling Jepsen, (n. 1956, Gran, Dinamarca) apresenta-nos em A Arte de Chorar em Coro a vida vista por Allan, um menino de 11 anos que pretende seguir as pisadas do pai e tornar-se um bom orador fúnebre. Allan, como todas as crianças da sua idade, ocasionalmente leva tareias - «Dói, claro, mas não me incomoda demasiado; desde que ninguém o veja.» - e brinca com os amigos, mas é a sua família que importa realmente, mais que tudo. Depois, há ainda o Tarzan e o arcanjo Gabriel que o ajudam no dia-a-dia e durante o sono. Depois disso, vem Gazan Tarriel, a fusão natural entre o arcanjo e o homem da selva, uma espécie de super herói com poderes metafísicos, que Allan crê realizar os seus desejos, mesmo os pedidos mais mauzinhos.

O ponto forte do romance reside na forma como o menino vê o mundo - vê-o sempre com uma “inocência” que só as crianças experienciam, mesmo quando leva tareias: «E recomeça, mas não como antes; agora começa a bater depressa, depois devagar e, em seguida, outra vez depressa, sem nenhum ritmo, e uma vez até falha o golpe! (…)» (pág. 59) -, e no humor que Jepsen utiliza - «O pai tem medo que seja maricas: o que significará isso? A mãe diz que não, que as coisas são assim nas cidades grandes; comem com faca e garfo todos os dias, como nas festas.» (pág. 61). Ah, as crianças são mesmo muito “inocentes”: «Será que o Asger [irmão mais velho de Allan] não compreende que há um motivo para que o pai e a Sanne [a irmã] durmam juntos no sofá? Deveria considerar o que aconteceria se não o fizessem. Como se sentiria o pai?» (pág. 65)

Afinal de contas, amigo Shakespeare, não há nada de podre no reino da Dinamarca, como comprova este excelente romance.

«- Ele tinha uma erecção?
Não sei bem o que quer dizer com essa palavra.
- Quando estavam a tocar-se no quarto, sem roupa nenhuma, ele tinha a pilinha para cima?
- Não sei – respondo -, não vi.» (pág. 227)

Apesar da disfuncionalidade apresentada – encesto, tragédia, morte, funerais -, A Arte de Chorar em Coro é tudo menos triste. Uma ode à boa disposição em tons sérios que nos fazem reflectir sobre a «gravidade da vida».