sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Kjersti Annesdatter Skomsvold «Quanto Mais Depressa Ando, Mais Pequena Sou»



Numa entrevista ao Público, a norueguesa Kjersti Annesdatter Skomsvold (KAS) explica que tinha como plano de vida ser engenheira, mas que depois adoeceu e teve de ficar acamada num quarto durante um longo período da sua vida, levando-a a escrever um livro – ela, que nunca tinha escrito nada, segundo a mesma.

Pois bem, Mathea Martinsen – a personagem central - é uma senhora muito idosa que foi atingida por dois relâmpagos (!) quando jovem, deixando-a com muitos problemas de mobilidade, pouco cabelo e escassos dentes, que vive a vida de forma anti-social – antes de sair do seu apartamento, certifica-se de que não encontrará vizinhos nas escadas – em parceria com o seu marido Epsilon. Escrito de uma forma simples, inteligente - «Então, dirijo-me ao lago Lutvan. O tapete é verde, o papel de parede é castanho e o teto é azul. Paro na última colina. Escuto as árvores e conto até três em sua honra, e depois desço a colina tão lentamente quanto posso» (pág. 141) – e cómica, com algumas doses de tragédia à mistura, Quanto Mais Depressa Ando, Mais Pequena Sou (título inspirado na Teoria da Relatividade de Einstein) explora a solidão e fobia social de uma senhora que passou um mau bocado na sua vida, e que, no entanto, agora, perto da morte, procura deixar uma marca da sua existência - «Embora fosse bom ter um obituário como prova da minha existência, e pergunto-me se se pode submeter o próprio obituário em adiantado e pedir ao jornal para o imprimir quando chegar o momento» (pág. 19).

Esta obra, vencedora do prestigiado prémio de literatura norueguês Tarjei Vesaa, em 2009, explora as debilidades e obstáculos que a velhice impõe de uma forma muita descontraída, quase como se se tratasse de uma criança a descobrir pela primeira vez as dificuldades da vida, ainda que sem o optimismo infantil. O humor, infelizmente, torna-se algo previsível e um pouco cansativo, retirando algo do brilho inicial que o primeiro terço da obra propõe, o que é uma pena.

Polvilhado com brutas doses de humor negro e desconcertante,  Quanto Mais Depressa Ando, Mais Pequena Sou é uma óptima estreia literária por parte de KAS; apesar de prometer mais que aquilo que inicialmente oferece, merece uma leitura cuidada por parte do leitor.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Faleceu António Ramos Rosa


O poeta e ensaísta António Ramos Rosa (n. Faro, 1924) faleceu ao início desta segunda-feira, no Hospital Egas Moniz, Lisboa, vítima de infecção respiratória.

O escritor de 88 anos premiado com o Prémio Fernando Pessoa, entre tantos outros, é autor de obras célebres de onde sobressaem O Grito Claro, Poesia, Liberdade Livre e Incisões Oblíquas

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Osamu Dazai «Não Humano»


Não Humano, publicado no período em que a poeira da II Guerra Mundial assentava e muita indefinição quanto ao futuro do Japão pairava no ar, apresenta-nos uma visão pessimista e niilista sobre o ser humano. Baseado em eventos da sua própria vida, Osamu Dazai construiu aqui um romance opressor – para o leitor – e cru que ainda hoje é considerado um ícone e best-seller em terras nipónicas.

«De facto, quanto mais cuidadosamente examinas o rosto sorridente da criança, mais sentes um horror indescritível e atroz a trepar por ti acima. Vês que, na verdade, não é, de todo, um rosto sorridente. O rapaz não tem um único indício de um sorriso.» (pág. 10): esta criança é Yozo, personagem central de todo o romance, um indivíduo que cria uma espécie de máscara de ferro para enganar todos os que o rodeiam. Incapaz de ser feliz, o jovem Yozo finge sorrisos, inventa felicidade, faz «palhaçadas» para se inserir numa sociedade que o rejeita. Este distanciamento social resulta muito provavelmente da ausência de uma figura paterna no seu crescimento infantil: «Mesmo quando o meu pai e eu vivíamos na mesma casa, ele mantinha-se tão ocupado a receber convidados ou a sair que, por vezes, decorriam três ou quatro dias sem nos vermos. Isto, todavia, não tornou a sua presença menos opressiva e intimidante.» (pág. 50).

À medida que cresce e falha na vida, à medida que o desespero e o negativismo se apoderam da mente de Yozo, coisas más acontecem não só a si mesmo, como também aos que o rodeiam. A desesperante descida aos infernos e gradual auto-destruição combinada com perda de sentimentos pela vida alheia inclui uma tentativa de suicídio com uma rapariga, ainda que só morra a amiga (curiosamente, na vida real o autor suicida-se juntamente com a sua companheira em 1948), alcoolismo extremo , morfina e perda de lucidez entre o real e a loucura. Não importa nada, simplesmente.

De página para página, a dor e a insustentabilidade face ao quotidiano aumentam. Não sendo difícil de adivinhar o desfecho do final da obra, Não Humano transmite uma carga tão negativa e pesada que obriga o leitor a sentir compaixão pelo anti-herói Yozo (e também Osamu Dazai).

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Cult of Luna: novo tema disponível para consulta


Os suecos Cult of Luna, que se preparam para editar o EP Vertikal II neste mês, disponibilizaram um tema de avanço que pode ser consultado aqui.

Vertikal II será editado em CD e em vinil, sendo que remix do tema Vicarious Redemption é um exclusivo da edição em CD.

domingo, 8 de setembro de 2013

Ola Nilsson «Os Cães»




No nordeste da Suécia, longe das comodidades e da vida confortável que o centro económico de Estocolmo e Gotemburgo oferece, há vilas, aldeias e pequenas cidades com pouca densidade populacional onde o dia-a-dia é deprimente, funcionando o álcool como analgésico.

Ola Nilsson (n. 1972), longe de ser muito famoso por estes lados, é um autor sueco vencedor do Prémio Literário Norrland 2010, que a Eucleia publica num catálogo que inclui outros autores nórdicos de grande interesse. Os Cães, primeiro capítulo de uma trilogia composta por Os Anjos e No Amor se Ancora a Memória), aborda a vida de cinco adolescentes presos na ruralidade de um nordeste sueco que pouco tem a ver com a imagem tradicional que o país exporta; a perigosa e misteriosa ponte onde a matilha de adolescentes, cujas idades variam entre os 14 e os 16 anos, passa os tempos livres, é o centro onde a acção deste curto romance decorre.

Esta ponte - que na minha opinião faz precisamente a ponte entre a adolescência e a vida adulta da aldeia – funciona como escape a um grupo de adolescentes que encontra, no álcool, sexo e mergulhos da ponte para o rio, uma espécie de local seguro, longe do resto do mundo, longe das suas famílias disfuncionais. Ola Nilsson imprime um carácter triste, sóbrio e directo às suas palavras, palavras que muitas das vezes contrastam com a imagem gráfica que o leitor absorve da narrativa; um dos aspectos mais duros e pesados da obra encontra-se nas interacções e relações familiares das personagens, pautados por uma certa distância entre pais e filhos, uma quase indirecta imposição de maturidade forçada que os progenitores impingem aos filhos.

Não obstante a vida independente na sociedade Sueca – nórdica, em geral – começar por volta dos 16 anos, em Os Cães há uma ausência de afecto e acompanhamento deste processo de independência que, a meu ver, os pais devem seguir de perto; a obra sugere várias vezes que são os mais novos que tratam dos mais velhos, invertendo assim os papéis da responsabilidade que liga os pais aos filhos.

O título do romance poderá estar ligado a esta capacidade de crescimento à força e falta de figuras paternais – ou figuras que se distanciam das crias demasiadamente cedo – que faz parte da vida dos cães, como é sabido. As pouco mais de cem páginas de Os Cães, ainda que curtas, escondem um alto impacto visual.

domingo, 1 de setembro de 2013

Maria O. «A Violação das Mulas»



Por vezes, nem sempre todos os livros com palavrões e calão são interessantes. Os impropérios e a linguagem de rua podem e devem ser utilizada, mas têm a sua hora e local, saber empregá-los convenientemente acaba por ser mais difícil do que o que parece.

Irvine Welsh fá-lo extremamente bem, assim como a geração Beat o fez no passado, mas o mesmo não se pode dizer de Maria O., escritora  que «nasceu em Vila Nova de Gaia há mais de 20 anos. Tem escrito muito. Ainda está viva» e sobre a qual nada mais se sabe. Ora, o intuito desta obra seria fazer  «um retrato do cu da Europa: Portugal no seu melhor», «um guião à la Quentin Tarantino dos velhos tempos, mas escrito por uma portuguesa», «a história de uma vila portuguesa e da polémica criada em torno de uma escultura. Políticos corruptos, falsos moralistas, promiscuidade e reviravoltas surpreendentes num livro irónico e divertido.»

A sério?

Vamos às personagens. Temos Quim Tiliano Zibeta, Isaac Zibeta, Possidónia, Zimbelina, Deivid Uva, entre outros, e aproveito para perguntar o porquê de não haver o Quim Estacionâncio, o Fernando Rocha ou o Zé Corninho. A única explicação para estes “bizarros” nomes de pessoas (?) será que a obra se passe num principado/república das bananas recente, onde os habitantes possuem estes apelidos.

Pois.

A estória desta obra anda à volta das aventuras e desventuras destas personagens que se envolvem em grandes orgias.

A obra é tão extravagante e vanguardista, que podemos ler nas primeiras páginas um exemplo de pura literatura transgressiva em modo low cost, uma espécie de Marquis de Sade castrado: «Zibelina acabara de parir e tinha leite nas mamas. Quim Tiliano Zibeta, o homem cujo esperma atingiu o supremo, e o único aceitável, propósito para a sua líquida e incómoda existência num rápido encontro com um óvulo da minha mãe (…) observava há já tempo considerável o modo como a sua robusta empregada doméstica refletia no rosto a atmosfera húmida e cansada daquela tarde de primavera. Na verdade, o que o fascinava naquele instante (…) era a maneira hábil como Zibelina se inclinava sobre o fogão, limpando-o apenas com uma mão, enquanto a outra segurava um dos seus seios, inchados sob a bata, a querer fugir.– Estás a segurar porquê? Vai cair?– Têm muito leite. Às vezes dói.»

Este é dos parágrafos mais longos e coerentes presentes nesta obra.

Perguntei-me, enquanto lia entediado esta obra, se isto é mesmo publicado pela Eucleia, a editora que nos traz romances nórdicos com qualidade. E é mesmo.