segunda-feira, 24 de junho de 2013

«Oslo, 31 de Agosto»




Adaptado a partir do romance Le Feu Follet, de Pierre Drieu La Rochelle, Joachim Trier propõe-nos uma obra de grande valor. Anders, um jovem norueguês de 34 anos, encontra-se a recuperar numa clínica de desintoxicação quando no dia 31 e Agosto se vê com 24 horas de liberdade para comparecer numa entrevista de emprego.

Anders, um jovem bem-sucedido entre as mulheres e com uma vida social muito activa antes de integrar o centro de reabilitação, vê-se agora numa situação que o próprio muito provavelmente não esperaria passar, senão vejamos: a primeira coisa que faz é calçar o velho par de Vans e ir em direcção aos bosques para se tentar afogar no rio. Gorado o suicídio, Anders é agora um perfeito estrangeiro na bonita, limpa e sossegada capital norueguesa – tal como naquele tema que Sting canta sobre ser um inglês nos Estados Unidos. 

Revê os velhos amigos que o convidam para tomar um café e posteriormente para festas, e a tentação de voltar ao consumo da droga e álcool é enorme, porém Anders vai resistindo como pode, adiando com muita força de vontade. O reacender de uma velha paixão será o verdadeiro teste para o nosso protagonista. A simples menção do seu ex-amor altera e deprime-o à exaustão, abrindo-lho feridas que o mesmo pensava estarem já fechadas.

Acontece que este jovem não é tão forte como pensa ser, e passear no parque, sair com os amigos e conhecer bonitas raparigas não lhe dão o alento e o bem-estar que ele precisa. O final do filme, esse, é arrebatador e forte, muito bem trabalhado e realista. Sem desvendar qualquer tipo de segredo, o primo de Lars von Trier realiza neste Oslo, 31 de Agosto uma visão forte sobre o drama que é a reinserção social de um toxicodependente.

Para ver e apreciar.

Título original: Oslo, 31. august
Argumento: Joachim Trier, Eskil Vogt, Pierre Drieu La Rochelle
Realização: Joachim Trier

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Michael Cunningham «As Horas»



Baseado no romance Mrs. Dalloway de Virginia Woolf, As Horas é uma singela e sincronizada forma de contar a vida de três mulheres que, sem o saberem, vivem vidas semelhantes e interligadas. Michael Cunningham, vencedor do Prémio Pullitzer (1999) graças a esta obra, recria a existência de Virginia Woolf no momento em que esta se encontrava a escrever Mrs. Dalloway, por volta de 1923, mantendo-se maioritariamente fiel à vida de Woolf, estabelecendo uma ponte de ligação a Mrs. Brown e Mrs. Dalloway; estas três senhoras combatem a angústia interior e tentam encontrar o seu verdadeiro papel na sociedade.

Escrito por capítulos alternados entre as três mulheres, todo o livro gira à volta desta luta que as intervenientes travam: Woolf luta por escrever bons romances e controlar os impulsos suicidas; Mrs. Brown, uma típica dona de casa norte-americana, finge ser feliz num casamento pós-segunda guerra mundial, Mrs. Dalloway, aparentemente a mais feliz das três senhoras, é uma lésbica nova-iorquina que tenta organizar uma festa para o seu amigo Richard – que lhe pôs a alcunha de Mrs. Dalloway -, um poeta nos seus últimos dias de vida, vítima de Sida. 

A liberdade sexual da homossexualidade das três protagonistas é outro dos pontos-chave da obra. Para além do tédio que Woolf sente ao viver no campo, afastada do ambiente de Londres, a sua vida muda quando beija outra mulher, sentindo-se mais “viva”, por assim dizer, mais realizada interiormente, portanto; Mrs. Brown sente o mesmo quando beija uma amiga e se apercebe de que nunca será feliz a cozinhar bacon para o filho e marido às 7h da manhã; Mrs. Dalloway, de seu verdadeiro nome Clarissa, como referido é lésbica - partilha habitação com a sua companheira Sally - é extremamente culta, ligada às artes e Literatura e toma conta do ex-parceiro Richard. Creio haver aqui uma afirmação crescente entre os três períodos em que as protagonistas vivem em termos de sexualidade, cimentando-se em Mrs. Dalloway. 

As Horas retrata bem a ausência de realização pessoal e consequente desequilíbrio emocional de três gerações de mulheres distintas, porém interrelacionadas, explorando ao mesmo tempo a questão da homossexualidade É também, pois claro, um tributo a Virginia Woolf.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Craig Clevenger «Dermaphoria»




Depois do sucesso de um romance que surpreendeu a maioria da crítica independente, The Contortionist’s Handbook, o texano Craig Clevenger esteve longe de criar consenso através deste Dermaphoria.

Mantendo a linha do thriller noir do debut, este romance de 2005 centra-se em Eric Ashworth, um químico ao bom estilo de Breaking Bad, que “cozinha” um novo híbrido de LSD e meta anfetamina e que após ingerir uma boa dose industrial da sua droga, entra em coma e acorda amnésico na cadeia. Eric não se recorda de muito do seu passado, mas imagens distorcidas e alguns flashbacks recordam-no de Desiree, uma stripper com quem ele namorou, e de distribuidores com quem o nosso protagonista fez negócio. Para adensar a narrativa, há um advogado de defesa, um polícia, Toetag, Manhattan White e alguns personagens misteriosos que ajudam Eric a recuperar fragmentos do seu passado.

Escrito numa prosa original e com descrição visual agradável, Dermaphoria apresenta um mundo completamente noir e em estilo puzzle onde é quase impossível descobrir quem está a dizer a verdade e a mentira e se a acção narrada aconteceu de facto ou se não passou de uma alucinação da personagem; os sentimentos humanos não abundam por estes lados, mais parecendo o mundo frio e mecânico do futurista Blade Runner – ainda que o tempo seja o presente.

Apesar dos bons predicados e do estilo filme noir, Craig Clevenger  esteve longe de me convencer com este Dermaphoria; talvez porque as expectativas eram elevadas, ou porque o romance se torna confuso por variadas vezes, fico a aguardar por um digno sucessor de The Contortionist’s Handbook.
Nota: esta crítica foi baseada na leitura da obra no seu idioma original, o inglês.