quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Ricardo Adolfo «Mizé - Antes Galdéria que Normal e Remediada»



Algures nos arredores de Lisboa, vive o homem que sonhava ter a mulher mais atraente do mundo, daquelas capazes de impressionar todos à sua volta, e vive também a mulher que sonhava em ser cobiçada por todos os homens à sua volta. Numa sessão de sexo dentro de um automóvel, Palha pergunta a Mizé se quer casar com ele e Mizé, confusa, responde-lhe com uma pergunta: se a quer “comer” para sempre, ou se quer mesmo casar-se, visto que para a primeira opção o casamento não era obrigatório.

Escrita por Ricardo Adolfo, esta sátira à classe baixa portuguesa dos subúrbios é, muito honestamente, das coisas mais interessantes e que mais prazer de ler me deu nos últimos tempos. É um romance extremamente bem escrito, muito simples, que narra as peripécias de Mizé, uma mulher que, tal como o título indica, faz de tudo para ser famosa e rica, não olhando a meios para tal e que acaba por se casar com Palha, um vendedor de batatas fritas que deixa a casa dos pais para morar e ter uma vida com Mizé, o amor da sua vida. Para celebrar uma suposta promoção no trabalho, Palha decide alugar um “filme de putas” (tal como está escrito na obra) e festejar com os amigos do café local onde se costuma reunir e até aí tudo estava perfeito, pois todos, inclusive Mizé, tinham acredita na mentira. 

Mas a vida de Palha nunca mais seria a mesma, pois na cassete pornográfica estava nada mais, nada menos que a própria Mizé, aquela mesma que “ele tinha de ser seu dono e senhor. Ele tinha de a ter em casa, na cama, na cozinha, fosse onde fosse, mas ele tinha de a ter, e de preferência só para ele.”. A partir daqui, Palha vai descobrindo que não conhecia tão bem a sua esposa como julgava conhecer, e que havia mais pessoas com quem Mizé tinha privado, a começar por alguns dos amigos do Café. As peripécias que a partir deste ponto se seguem acontecem numa verdadeira espiral descendente, plena de situações e reviravoltas caricatas e com um humor hilariante, ao bom estilo de Porno, de Irvine Welsh.

A escrita de Ricardo Adolfo caracteriza-se por um ritmo rápido, divertido e invulgar, de certa forma, repleta de calão, incoerências gramaticais e expressões tipicamente portuguesas que não agradam a todo o tipo de leitores; à primeira vista pode parecer uma tentativa fácil e rude de vender, mas há muito, muito tempo que o vernáculo (quando bem aplicado e não gratuito) se tornou arte. Citando Valter Hugo Mãe, "A nova literatura portuguesa passa obrigatoriamente por aqui."

2 comentários: