domingo, 24 de junho de 2012

Andrés Neuman «O Viajante do Século»


Algures na Alemanha existe um jovem viajante de hábitos nómadas que se instala em Wandernburgo, uma cidade imaginária localizada entre Dessau e Berlim. Hans, a personagem central deste romance, apaixona-se por esta cidade especial habitada por cidadãos invulgares e apaixonados pelas artes. Há também um velho educado e erudito que toca realejo nas ruas.

Foi graças a este espaço imaginário alemão que o argentino Andrés Neuman venceu o Prémio Alfaguara de 2009, um romance que decorre no séc. XIX dedicado à literatura, poesia, filosofia, artes e pintura, onde são debatidas questões sobre a política e a questão da Europa enquanto continente potência e as guerras subjacentes entre a Prússia e França. Há também uma história de amor à antiga entre Hans, um tradutor fluente em vários idiomas, e Sophie Gottlieb, uma jovem comprometida a casar com Rudi Wilderhaus, oriundo das famílias nobres da região. Neste aspecto, O Viajante do Século segue os trâmites obrigatórios do romance tradicional: Hans e Sophie trocam cartas entre si através de criados, encontram-se às escondidas, fazem amor e vivem uma relação proibida. 

Esta típica relação tende, por vezes, a alongar-se em demasia e fica a clara sensação de que Neuman poderia ter encurtado em um terço esta narrativa amorosa, pelo simples motivo de que é clássica em todos os aspectos. Mas adiante. O ponto alto da obra reside, sem dúvida, nas reuniões e debates intelectuais que decorrem na casa Gottlieb entre algumas das pessoas mais importantes da sociedade wandenrburguesa, entre os quais um espanhol exilado, Álvaro, o Sr. Gottlieb, Rudi Wilderhaus e o Professor Mietter. Álvaro e Hans – por vezes auxiliados pela prórpia Sophie - são os dois das ideias modernistas e colectivas, ao passo que o conservadorismo e nacionalismo exacerbado são representados principalmente pelo Prof. Mietter. Nestas reuniões são declamados também poemas e encenadas peças de teatro entre todos, aumentando ainda mais a tensão entre as divergências político-filosóficas.

Entretanto, Sophie e Hans decidem começar a trabalhar em conjunto nas traduções de grandes poetas e romancistas europeus e americanos, conduzindo ao mal-estar e reprovação de quase todos os que rodeiam a vida entre uma senhora comprometida e um jovem de quem pouco ou quase nada é conhecido. O referido foco político e cultural da narrativa é um dos pontos de maior interesse da obra, trazendo à baila uma exactidão histórica bem estruturada que denota também um grande conhecimento literário por parte do autor.

Um romance apaixonado e clássico com uma boa dose moderna onde a política e as artes se unem numa cidade e ambiente acolhedores, onde existe ao mesmo tempo um grande sentimento de liberdade e pertença a um lugar imaginário que poderia ser real.

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