Com apenas um único romance editado em 1975, Raduan Nassar pode ser reconhecido como um dos maiores escritores brasileiros mais influentes do século passado, a par de Clarice Lispector e João Guimarães Rosa, entre outros. Este filho de imigrantes libaneses, nascido em 1935 no estado de São Paulo, demarca-se, de certa forma, dos demais escritores brasileiros atrás mencionados, pois a sua obra ficou acabada, na medida em que foi por iniciativa própria que o mesmo deixou a literatura.
Lavoura Arcaica é um livro que me surpreendeu bastante pela sua ligação à poesia; ou melhor, pela forma como cruza a poesia com a prosa, tornando-os num só elemento. Com fortes ligações a parábolas da bíblia, a escrita de Nassar assenta numa fruição e fluir de luta de emoção vs razão, de moral vs satisfação pessoal e o quebrar das regras familiares. André, o personagem principal, é um jovem que vive numa família que cultiva para viver e que tem no seu pai uma figura que defende com unhas e dentes o dever que todos os familiares têm: o de se manterem juntos na lavoura; na vida. Com uma união assente em fortes laços familiares e grande entreajuda, alicerçada no respeito pela paciência, todas as dificuldades são ultrapassáveis e o pão nunca faltará na mesa.
No entanto, André é diferente dos seus irmãos e apesar de respeitar a filosofia de vida do pai, prefere emancipar-se e conhecer o mundo para além do dia-a-dia de labor camponês. Ele experimenta as dificuldades e prazeres que os outros locais afastados do seio da casa da família lhe oferecem, indo contra a razão imposta pelo patriarca. Para além de querer conhecer o resto do mundo, André apaixona-se pela sua irmã Ana com quem acaba tendo relações incestuosas. André não aceita a forma como a sociedade (nesta caso o pai) e a tradição/lei deitam por terra o seu sonho de viver com a sua amada irmã, entrando assim numa espiral descendente que o leva ao desgaste e pobreza, até que é salvo pelo seu irmão Pedro, que o traz novamente até casa.
O livro divide-se em duas partes: A Partida e O Retorno, numa alusão à parábola bíblica do regresso do filho pródigo. No seu regresso, André compreende que tem que aceitar os ensinamentos do pai, mesmo que isto lhe cause amargura, despoletando acontecimentos trágicos. Lavoura Arcaica tem bastantes referências a variadas culturas e religiões – árabe, grega, muçulmana, cristã, judaica, etc – e assenta numa escrita complexa, influenciada pelo modernismo, e poética claramente invulgares, tornando a obra num excelente exercício de simbologia.
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