A brutalidade no ringue não pode ser transposta nunca para o exterior é algo que todo o boxista amador sabe e que tem que respeitar, caso contrário, pode sofrer penas pelas associações de boxe e pior ainda, perder os mais próximos. Jake LaMotta é um dos casos tristemente mais famosos de um boxista fenomenal que não distingue a violência dos dois punhos na arena e se transforma num touro à deriva sem respeito ou pena pela família e amigos.
Conhecido por “Touro Enraivecido”, LaMotta nasceu no Bronx, Nova Iorque, em 1921 e teve o seu período áureo nos anos 40 e inícios da década seguinte, onde conseguiu arrecadar inúmeros prémios e ombrear com o também lendário Sugar Ray Robinson, derrotando-o e tornando-se no campeão. Depois do grande papel e reconhecimento em O Padrinho II e Taxi Driver, Robert De Niro calça as luvas de boxista naquele que é visto por grande parte da crítica cinematográfica como o melhor filme dos anos 80 – o que é sempre polémico, se atendermos ao facto de que O Homem Elefante, Aliens: O Recontro Final, Blade Runner, The Shining, etc, viram a luz do dia na mesma década – e reencarna a vida de um homem que em termos desportivos foi fenomenal, ao passo que fora dele, como referido, foi um desastre. Touro Enraivecido começa com um De Niro já retirado do boxe a praticar “stand-up comedy” no seu bar e termina da mesma forma, com um dos monólogos mais emblemáticos de Hollywood. Pelo meio, durante a grande parte do filme, De Niro é o temível Jake LaMotta dos ringues.
Ao contrário do que a capa do filme e o conteúdo possam sugerir, esta película afasta-se radicalmente de Rocky; no total, teremos algo como quinze minutos de cenas de combate entre o personagem principal e os seus adversários. No entanto, a carga psicológica de cada uma dessas cenas é densa, agressiva e bastante realista. Cada golpe de LaMotta desfere, acompanhado pelo preto e branco total do filme, é rápido, directo, carregado de impacto e isto sem se aproximar daqueles combates épicos e sangrentos de Balboa e Apollo Creed/Ivan Drago; em tão poucos minutos, Martin Scorcese capta na perfeição a raiva de LaMotta sem qualquer tipo de floreados ou momentos épicos: De Niro atira-se aos adversários dá, leva, senta-se no seu canto com a sua equipa e volta a dar e sofrer até vencer o combate.
Exemplar na arena, LaMotta revela sérios problemas de abuso de violência doméstica e desequilíbrios mentais para com a sua esposa Vickie (Cathy Moriarty), o seu irmão Joey (Joe Pesci) e os agentes do boxe que se intrometem na sua vida. É este o aspecto que mais chocou e ainda choca quem assiste ao filme: a violência desmedida que De Niro aplica especialmente na sua esposa e a forma como perde as estribeiras de um momento para o outro sem qualquer tipo de razão. Por mais de uma ocasião, Scorcese capta um toiro que progressivamente vai destruindo o seu casamento e a sua carreira profissional, até ao dia em que se retira - com bastante peso a mais - e se muda para Miami onde abre o seu clube de “stand-up comedy”. Ao longo do filme, vemos que Jake LaMotta tem um único adversário para derrotar: ele mesmo.
A crueldade e o comportamento autodestrutivo da personagem interpretada por Robert de Niro e tão bem captada pela mente de Scorcese, que tornam Touro Enraivecido num drama realista que rendeu a De Niro um Oscar e tirou a Scorcese outro que lhe era merecido. O preto e branco em que o filme é filmado enaltecem ainda mais a sua densidade.
Título original: Raging Bull
Realização: Martin Scorsese
Argumento: Mardik Martin, Paul Schrader
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