As expectativas em torno do sucessor de Mizé - Antes Galdéria que Normal e Remediada eram mais que muitas. Como explicado na crítica ao mesmo livro, o prazer de lê-lo foi tal que tinha mesmo que adquirir – neste caso ofereceram-mo – mais pérolas de Ricardo Adolfo para continuar a rir-me nos momentos mais desoladores, inclusive. A temática aqui abordada não lida com os filmes ou a fama de Mizé, optando por explorar um dos temas actuais da sociedade moderna: a emigração.
Ricardo Adolfo nasceu em Angola no ano da Revolução portuguesa, viveu em Macau, Lisboa, Londres e presentemente vive em Amesterdão. Temos portanto um autor que ao abordar esta temática da emigração certamente que escreve sobre caminhos que conhece perfeitamente, em especial numa altura em que cada vez há mais casos de emigração no em Portugal e por essa Europa fora. O livro retrata a emigração de uma família da “terra” para a “ilha” e todas as peripécias e dificuldades que passam nesta mesma “ilha”; o autor desvenda que “terra” é Portugal mas escusa-se a identificar a suposta “ilha” de forma directa. Fica perceptível que essa ilha é o Reino Unido quando Adolfo refere que lá se conduz pela esquerda e outros aspectos culturais/sociais típicos do Reino Unido (o peixe frito, as grandes comunidades chinesas e indianas, chá, etc).
Brito, o personagem principal, e Carla, mudaram-se há poucos meses para aquele país em busca de condições mais favoráveis de vida, deixando para trás um Portugal decadente também ele habitado por imigrantes. Na companhia do filho, Brito e Carla vivem num quarto minúsculo, com meia dúzia de talheres, dois beliches, um mini-frigorífico e pouco mais. A casa de banho é pública e utilizada por todos os habitantes do andar – todos eles emigrantes. A miséria em que vivem era já desde si uma boa imagem para ilustrar o que sucede com muitos emigrantes portugueses que acreditam em casas confortáveis e grandes regalias, sendo que quando despertam para a realidade, tudo se transforma num pesadelo. Nenhum dos personagens fala a linguagem da ilha e isso adensa de forma gritante os percalços que se lhes sucedem, em particular numa tarde em que vão passear e Carla compra uma mala de viagem e se perdem. Como não falam o idioma local, não conseguem obter indicações correctas e quando as recebem, acabam por se afastar ainda mais, são assaltados e visitam uma esquadra de polícia. Quando o casal e o rebento pensam que o pior já passou, o instante anterior era o Céu e o presente o Inferno.
Depois de Morrer Aconteceram-me Muitas Coisas não é hilariante, ao contrário de Mizé - Antes Galdéria que Normal e Remediada: debruça-se sobre uma temática que a maioria dos autores portugueses ainda não estão a explorar muito, mas que começa já a ser vista como matéria de inspiração – Livro, de José Luís Peixoto, aconselha-se vivamente. Para além da inspiração, certamente que por ser imigrante, Ricardo Adolfo tem mais experiência e um maior à vontade para pintar de negro a actual emigração portuguesa dos que possuem poucas habilitações literárias (como este casal) e até mesmo dos licenciados.
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