Apontado todos os anos como provável vencedor do Nobel da Literatura, juntando-se assim aos seus conterrâneos Yasunari Kawabata e Kenzaburo Oe na lista de escritores japoneses que venceram o almejado prémio, Haruki Murakami goza de uma enorme popularidade em todo o mundo – bem mais apreciado nos Estados Unidos da América e na Europa do que propriamente no seu país Natal – e apresenta-nos um livro de memórias.
A edição portuguesa, sob o selo da Casa das Letras, é traduzida mais uma vez da tradução inglesa do japonês e é precisamente aqui que o livro começa com um ponto negativo, ao qual eu explico: no inglês a obra intitula-se What I Talk About When I Talk About Running, título em homenagem ao amigo Raymond Carver e à sua obra What We Talk About When We Talk About Love. Ora, em português ficaria bem apropriado um título que tivesse algo a ver com Carver, em vez de algo que remete directamente para o conteúdo do livro. De facto, este auto-retrato do nipónico baseia-se na sua vida de escritor e maratonista e na relação intrínseca que as duas actividades geram no seu dia-a-dia.
Largou um bar de música jazz em prol de uma carreira literária na mesma altura em que se dedicou a correr mais que uma, duas, três vezes como acontece com a maioria dos corredores ocasionais: passou a correr todos os dias. Em vez de mero “jogging”, Murakami organiza metodicamente os dias da semana em função das maratonas e da boa forma física, forma esta que lhe permite ter lucidez e concentração na escrita. A obra apanha um pouco de surpresa o leitor quando o autor começa a abrir-se em relação aos sapatos de corrida que usa, os alongamentos antes e depois de cada corrida, as idas à piscina e a contratação de um treinador para o ajudar na arte de bem nadar – além de maratonista, Murakami gosta de participar em provas de triatlo que, como se sabe, exigem corrida, natação e ciclismo – as férias no Havai onde aproveita o bom tempo para praticar para as maratonas norte-americanas de Boston e Nova Iorque, a comida baseada em verduras e peixe e outros aspectos que não se costumam evidenciar numa pessoa solitária como Murakami.
É, no entanto, este corredor de maratonas, que vão dos quarenta e dois kilómetros na Grécia e os cem no Japão, que impulsiona o escritor de belos romances. Não obstante a abertura de Murakami e a forma acentuada como convida o leitor para conhecer um pouco da sua vida, Auto-Retrato do Escritor Enquanto Corredor de Fundo debruça-se demasiado no correr e pouco no escrever, que é o que mais interessa num escritor. A obra ganha um significado especial para quem já conhece outras publicações do autor, mas temo que pouco, muito pouco, para quem o desconhece. Começar por esta obra, ao invés de Norwegian Wood, entre outros, é como ler as cartas que Kafka escreveu ao pai e só depois mergulhar em O Processo.
Infelizmente ainda não foi este ano que Haruki Murakami venceu o Nobel.
ResponderEliminarGostei da tua opiniao.
Boas leituras
silenciosquefalam.blogspot.com
Olá, Miguel.
ResponderEliminarOs prémios Nobel são cada vez mais um jogo de interesses e uma fachada; os da literatura nem tanto, creio, mas os da paz são a verdadeira anedota ("Yes we can").
Simão,
ResponderEliminarNão li este livro, li "After Dark, Os passageiros da Noite" e gostei muito, quanto a mim é um livro de 9 valores numa escala de 1-10.
Também li “Sputnik Meu Amor”, mas acha que já não esta ao nível do outro livro.
Olá, Tiago
ResponderEliminarPor acaso ainda não li o After Dark, embora o tenha aqui para ler em inglês, portanto não sei se é bom - acredito que sim, mesmo. O Sputnik foi o primeiro que li, mas o que mais gosto mesmo continua a ser Norwegian Wood.