terça-feira, 11 de outubro de 2011

Chuck Palahniuk «Damned»


«Como se Os Renegados de Shawshank tivessem um filho de Visto do Céu e fosse criado por Judy Blume.». Supostamente, seria desta forma estranha que Damned iria soar, mas na realidade, é difícil compreender como o autor falha redondamente na descrição e execução do mui aguardado romance. Tell-All, como aqui foi explicado, não era um livro encantador, sem embargo, um belo tributo ao cinema da primeira metade do século passado e o aroma noir que nele se sentia, colocando a obra num patamar elevado, ainda que, como referido, pesado a espaços.

Ora, se a ideia da referida obra era cortar um pouco o ambiente da crítica ao consumismo e ao “americanismo” de Pygmy, este Damned volta à velha crítica à sociedade demasiado informatizada e disfuncional que vive para o imediato, imersa em bens e serviços que não precisa. O que falha então? A repetição exageradíssima não só destes conceitos, mas pior que isso, uma repetição constante de uma narrativa aborrecida e um gratuito olhar crítico sobre ideias e mais ideias que já foram vistas mais que uma vez - e não só por parte de Palahniuk. Há escritores cuja temática é, razoavelmente, habitual e dos quais não nos cansamos: o colonialismo de António Lobo Antunes, a Barcelona de Zafón, o realismo fantástico da Colômbia de García Márquez, etc; e o mesmo tinha sucedido com Chuck Palahniuk. Até este livro chegar às minhas mãos. 

«Estás aí, Satanás? É a Madison » inicia todos os capítulos da obra, fazendo referência mais que directa à obra de Blume Are You There God? It's Me, Margaret. Madison Spencer é a personagem central da obra: tem 13 anos, é infantil, gorda, inteligente e foi condenada ao Inferno depois de asfixiada pelo seu irmão Goran, apesar de ela mesma inicialmente acreditar que a causa de morte tinha sido overdose de marijuana. Os pais da pequena Madison são figuras mediáticas dos Estados Unidos da actualidade e dominam o reino de Hollywood. Coleccionam casas no Dubai, Oslo, Copenhaga, Paris, Londres e noutras grandes cidades europeias e coleccionam – como está na moda por parte dos actores do cinema mediático norte-americano – filhos adoptivos. Sim, a família Spencer adquire órfãos africanos, sul/centro-americanos e Balcãs como quem vai ao supermercado comprar pão. Um desses Balcãs, o jovem Goran, ainda traumatizado pelos efeitos que a guerra lhe causou, vê-se inserido numa família disfuncional e acaba por matar Madison, como referido.

Os pais de Madison obedecem aos clichés habituais da salvação do planeta; lutam por um planeta mais ecológico e justo, como ex-punks, rastafaris e anarquistas que foram e agora estrelas do cinema, querem dar o exemplo: orgânico é o melhor – e disso não tenho dúvidas. No entanto, viajam em jactos privados que consumem litros incontáveis de combustível – não tem problema, o interior do avião é ecológico – e têm casas que nunca usam em todas as grandes cidades mundiais, com criados que as guardam e limpam em troco de salários de terceiro mundo. A “piñata” do último aniversário de Madison continha não doces, mas sim haxixe, xanax e outras drogas relaxantes que fazem bem ao espírito e fortalecem o ser. Muito resumidamente, o inferno de Madison já existe bem antes de ela ser enviada para o verdadeiro.

No verdadeiro e escaldante inferno, tudo é gerido por grandes demónios - temos, entre muitos outros, Hades e Baal para impor respeito – e povoado por gente conhecida: Heath Ledger, Catarina de Médici, Hitler, Erzsébet Báthory, Calígula, Ivan III, etc, etc. No Inferno também se trabalha e duro: a Madison é-lhe imposto um posto num call center cuja função é comunicar com os vivos e enchê-los de tristeza, facilitando a sua morte e uma melhor integração posterior na vida do Inferno. Basicamente, a estória de Madison é isto e o recordar dos abusos dos seus pais e amigos. Quando o livro ganha realmente algum ânimo e interesse, ou seja, as setenta páginas finais, é-nos dito que a obra continua (algo que já aconteceu em 2007 com Rant e, até hoje, a sua segunda parte não foi sequer anunciada). A criatividade de Palahniuk apresenta-se em quantidades muito reduzidas, por vezes amadoras: guerra com O Paciente Inglês, o consumismo, a riqueza das grandes famílias norte-americanas, a depressão e traumas que cada personagem exibe e a aquisição de bens materiais supérfluos.

Damned é a grande desilusão da escrita norte-americana do ano, é um livro que poderia ser contado em cem páginas em vez de duzentas e cinquenta e, aí, sim, despertar algum interesse e justificar uma continuação. Infelizmente para Palahniuk e para os seus fiéis leitores – eu e mais uns milhões –, tudo ou quase tudo falha aqui. E é uma pena, tendo em conta o passado do autor. 

Nota: esta crítica foi baseada na leitura da obra no seu idioma original, o inglês.

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